No meu pensamento, hoje, passeiam-se, como se dum filme se tratasse, as velhinhas da rua do Pico quando desciam à nossa mercearia para fazerem as suas compras. Na maioria vinham de xaile escuro pela cabeça, cobrindo-lhes quase o corpo todo. Só lhes via a fronte, os olhos, o nariz e a boca. Assim que chegavam encostavam-se ao balcão, mas antes de me dizerem ao que vinham, ponham em dia a conversa com as vizinhas do pico de cima, se elas eram do pico de baixo. A Ti Maria dos Anjos Marrenêga, na tarela com a Ti Virgínia Bainêta, a Ti Amélia Rondoa com a Sofia Secalhita, a Tia Rosa Caga-Pregos com a mãe do Saneta, a Ti Gilda Pés-Sujos, com a Ti Lurdes Arrepiada e outras que iam chegando enquanto umas iam saindo. Os apelidos não tinham nada de mal, era e é apenas uma maneira de nos recordarmos de quem estamos a falar, porque na verdade os primeiros nomes se pareciam e o povo usava as alcunhas em vez dos apelidos do nome próprio. Elas sabiam o respeito que eu nutria por todas elas e até me chamavam de “menino Roberto”. Se uma me pedia dezoito vinténs de tabaco-de-cheirar a outra queria uma serrilha de chá preto ou seis vinténs de cloral. Metade de um pão e trinta centavos de queija, dava para o almoço e só custavam uma pataca. Nisso entrava o José Pereira, todo alegre com a mão fechada simulando uma corneta em frente da boca e entoando o instrumento do músico José Elias “pinguinha” da nossa banda Fraternidade Rural. Vinha atazanar a mãe para lhe comprar uma serrilha de cigarros-à-larga S. Luís da Fábrica de Tabaco da Maia. Enquanto isso eu tentava entender o Serafim “gaiafo” que queria “ú li petó”, que depois entendi que o que ele pedia era “um litro de petróleo”, não fosse o João “rachadinho”, o nosso empregado, a fazer-me a tradução.
Enquanto isso, uma menina entrou, distraída e absorta, com dezoito vinténs apertados na mão, porque já não se lembra o que foi que a mãe lhe pediu que fosse comprar à antiga Cova da Onça.
Não podemos mudar o passado nem o trazer de volta. Só sinto a falta dele! Sinto falta do comércio tradicional e do tempo em que eu e meus dois irmãozinhos brincávamos, depois da porta fechada, aos “clientes, caixeiros e donos da loja”. Minha irmãzinha Lina era a cliente, Duartinho, um ano mais velho do que ela enchia os pacotinhos de meio e de um quilo de açúcar e eu os pesava na balança. Depois, eu unia superiormente as pontas dos pacotes, dava-lhes duas voltas na vertical e voltava para dentro as duas orelhas que sobressaiam e entregava à cliente. Foi assim que nosso pai, Manuel Egídio de Medeiros nos ensinou enquanto minha mãe que descera de casa à loja, colocava na sua face um sorriso, ao ver-nos, antes de avisar meu pai que se tornava tarde para os meninos irem para a cama, e, ele também.
– “Lia, eu já vou, leva-os que já subo também a seguir.”
Cresci e tornei-me rapaz e homem com meus irmãos mais novos no comércio tradicional na Vila de Água de Pau. Meu pai ensinava-nos que se soubéssemos servir bem um cliente e se ele nos respeitasse e admirasse, da mesma forma a sociedade nos acolheria e respeitaria na nossa vida.
Por isso, “Antes que a Memória se Acabe” registo estes e muitos outros momentos do meu passado num livro de crónicas de Água de Pau.
Talvez 70% ou mais dos que alegam diversos motivos para não comprarem no comércio tradicional, em Ponta Delgada ou nas Freguesias e Vilas rurais de S. Miguel, não sabem, não se lembram ou os pais esqueceram-se de lhes dizer, ensinar ou educar que TODOS os seus pais, avós, bisavós e trisavós foram sustentados, sobreviveram ou não morreram de fome graças ao comerciante, ao merceeiro, loja do canto, ou ao comércio tradicional, como agora se diz.
Tanta gente que agora, nas redes sociais, sabe tão bem escrever, mas não sabe nada nada, do que foi e como foi a vida no tempo em que se comprava fiado para pagar na colheita. Aliás, nem sabem o que é a colheita, pois só conhecem agora as «lindas» pastagens verdes “sem vacas”, porque nem estas já pastam. Mas, disso, nem sabem também porquê?!.
Desde criança, ia eu à “Loja da Preta” em Ponta Delgada, do senhor “Dias” e dos filhos, pela mão de meu pai, não apenas no Natal, para ver os brinquedos, mas muitas vezes durante o ano. Que saudades desse tempo!
A geração de agora, não tem saudades de nada, porque nada têm, nem sentem, para recordar-se daquele tempo: nem sobre a sua história, infelizmente. De resto, já é tarde demais para corrigir o que está feito, mas possível ainda é educar e ensinar aos mais novinhos que nem sempre a nossa vida e a nossa saúde estão bem e que tempos difíceis pandêmicos acontecem, nem que seja de 100 em 100 anos. Nessa altura é que alguns se interessam em “ouvir ou interrogar-se” como era no tempo quando ocorreu a pandemia anterior? Mas, grande parte das pessoas são irresponsáveis mesmo e não querem saber nem do comércio tradicional nem em proteger-se desta pandemia.
Na primeira década deste século XX, enquanto vereador da cultura e vice-presidente da Câmara Municipal da Lagoa (1990-2009), apresentei em reunião camarária uma proposta para a aquisição da antiga “Mercearia Central” e residência anexa. Por aprovação camarária o concelho de Lagoa passou a ter “O Núcleo da Mercearia Central – Casa Tradicional”, alojado num edifício fundado no século XIX, na Praça da República da Vila de Água de Pau.
No interior há uma exposição que pretende mostrar a atividade comercial do século passado, através da mercearia e da taberna, ambas localizadas no rés-do-chão. No piso superior são evocadas as vivências domésticas de uma família da pequena burguesia local (José Inácio Vieira Favela e Angelina da Conceição Reis), no espaço que foi a sua habitação, que ocupa o primeiro andar e o sótão.
Regresso aos Estados Unidos para realizar dois grandes presépios a convite da Portugalia Marketplace. Neste natal de 2024 inaugurará na sua loja em Fall River, no dia 6 de dezembro, pelas 6.00pm, um presépio de tradição lagoense em movimento inovador com nuances diferentes dos anteriores.
Porque a Portugalia Marketplace e toda a família do empresário Fernando Benevides, passada uma década a permitir-me promover e a realizar Presépios da Lagoa para os seus clientes luso e americanos, vai expandir a sua iniciativa e promoverá outro em New Bedford, na Biblioteca da Casa da Saudade. Este segundo presépio, terá também o apoio da Magazine “A Praça” porque Filomena Branco, uma das suas colaboradoras, ofereceu-me, a pedido do seu editor, David Loureiro, uma coletânea de figuras e casas dum magnífico presépio americano.
Assim, no dia 5 de dezembro pelas 5.00pm, a Biblioteca Casa da Saudade abrirá as suas portas ao público para a abertura da exposição de um inédito presépio açor-americano, pois integrará as duas tradições com figuras natalícias dos bonecreiros de Lagoa nos Açores juntamente com figuras e elementos urbanísticos americanos.
Na abertura de ambas as exposições contaremos com a presença do Mayor das respetivas cidades, representantes da Casa dos Açores da Nova Inglaterra, Escolas Portuguesas, Maria Tomasia e o grupo de Idosos da Casa da Saudade, assim como convidados, lagoenses, público da biblioteca e clientes da Portugalia Marketplace, o “ponto de encontro” da comunidade luso e americana.
O presépio tipicamente açoriano, aquela representação associada com a minha infância e em cuja feitura participei, em criança, com os meus irmãos e familiares, distinguia-se pela extraordinária variedade e curioso aspeto dos mais diversos objetos e primazia em construir o presépio no melhor quarto da casa. Os figurantes, na sua maioria eram simples bonecos de barro. Figuras de feição popular, com mulheres de capote e capelo, e outras de xaile e lenço. Lavadeiras, umas ajoelhadas no jeito de esfregar roupa na pedra, e outras de pé com trouxa na cabeça. Há os artefactos de vimes nas canastras seguras à cabeça de mulheres, dos cestos de trabalho dependurados ao braço dos homens, dos cestinhos de asa na mão das velhinhas, e ainda os seirões de burro mais as sebes das carroças. A olaria tradicional aparece representada em jarras, talhas e infusas, de barro vermelho, as quais são acarretadas à cabeça, ao ombro, ou no braço (com o apoio do quadril), por figuras em trajes regionais. Há igualmente figuras de militares trajando antigas fardas, padres de batina e sobrepeliz, barbeiros e sapateiros, tocadores de viola, rabeca e realejo, namorados e bailarinos, pescadores a pescar sentados sobre pedras e até matadores de porcos, em pleno desempenho do seu ofício.
Uma particularidade que, apesar da longa distância dos anos, nunca se esvaiu da minha memória, é essa de ter ajudado a fazer casas de papelão, com portas e janelas, algumas delas com o seu quintal. Com serradura alinhavam-se ruas e passeios. Moinhos de vento encimavam pequenos montes. Em lagos improvisados (por vezes um alguidar de barro, ou um pedaço de vidro cercado de musgo), flutuavam barquinhos e nadavam patinhos e peixinhos. Tudo isso, e muito mais, ficou estancado no tempo e espaço.
Confesso, sinceramente, que o presépio da minha infância constituiu sempre uma autêntica e enternecedora parada de cenas populares, que ainda hoje recordo com emoção, saudade e me motivam a continuar a fazê-los e a coleciona-los.
Desde que me lembro, desde tenra idade, que gosto de presépios e por isso ansiava pelo dia 25 de dezembro para ir com a minha família, visitar a minha madrinha Maria do Carmo e os primos Vieira na Praça Velha e assim poder ver o presépio deles. Cumpria-se o ritual. Eu é que tocava a campainha estridente da porta, que quando arranhava, o som afugentava ou assustava os mais distraídos, que se cruzavam connosco, no número oito da rua dos Coelhos. Ainda a família se cumprimentava e já eu escapulia para ir ver o presépio dos primos. O primo Quintiliano me fascinava. Era muito habilidoso. Fabricava o seu próprio fogo de artifício para as nossas festas de Natal e passagem de ano, e com a ajuda do filho António Inácio construía todo o presépio. Uma maravilha, autêntica réplica do cenário mais conhecido de Água de Pau, como o Monte Santo e a rua do Pico, a Igreja, o Fontanário e a Praça Nova, o comércio e a agricultura, as pescas e as festas e muitas das cenas do quotidiano rural de outros tempos. Não esquecendo a gruta e as figuras sagradas do presépio, bem entendido. Se olhava respeitoso, essa cena, era já com outros olhos que partia à descoberta dos lugares, dos cenários e das cenas mais diversas que constituíam o presépio deles. A árvore de Natal, as pedras de vermelho negro, dos vulcões, os musgos, as verduras e a serradura dão-me então saudades incríveis de tempos idos. De quando ia buscá-los, com o nosso trabalhador das terras, Tio Zé Raposo Tramela e os meus amigos João e Antero e o primo Victorino, ao Matinho e ao Monte Santo. A serradura ou farelo, para os caminhos, vinha da serragem e da oficina do mestre Antero Amaral. Era um leilão lá em casa, e, de vez em quando, enquanto o presépio não estava pronto, lá íamos atrás do Antero. Saltávamos o muro, que separava a nossa casa da dele, e de corrida, sentávamo-nos no capacho de linho-de-russo da cozinha da senhora Leonilde. Lá vinha a Alice com os bolinhos de Natal que a senhora, sua mãe, tirava do forno para nós. Era uma luxúria. Belo tempo!… pois era…
Cada foto tem a sua história. De todas as fotos que publico — e muitas centenas nunca publiquei ainda —, conheço a sua história e posso contá-la por escrito e/ou oralmente.
Ao longo da minha vida aprendi muito sobre a Vila de Água de Pau, com meu pai e com os nossos familiares, com os primos Vieira, emigrantes (regressados do Manaus, no Brasil) e, em particular, com meu primo António Inácio Vieira.
Aprendi ao longo dos tempos com os nossos antigos sabedores e conhecedores da História da Nossa Terra, como o professor João Ferreira da Silva, os meus professores Luciano da Mota Vieira e Dr. Francisco Carreiro da Costa, bem como com os nossos pioneiros que emigraram para o Canadá e com os que emigraram para viver muitos anos no leste e oeste dos Estados Unidos. Com os que emigraram para o Brasil — memórias incríveis, em fotos que eu trouxe de lá, relatando as suas vidas antes e depois de partirem da nossa Água de Pau. Com as pessoas idosas da elite e do povo que me habituei a ouvir e a devolver com respeito a conversação quando vinham à nossa mercearia «A Cova da Onça» para fazer compras ou para falar com o meu pai. E muitas vezes para pedir-lhe conselhos ou para ser seu avalista nos bancos, assim chegavam desabafando sobre as suas vidas.
Desde criança que ando entre o povo… eu, o meu irmão Duarte e a minha irmã Lina Manuela, que embora criancinhas, já enchíamos pacotes de meio quilo e de um quilo de açúcar na loja de nosso pai enquanto andávamos atentos ao que se passava à nossa volta, pois ele não queria pasmados e insensíveis à sua roda.
Aprendemos a ser e estar despertos para o quotidiano da vida rural, social, cultural e religiosa que girava à nossa volta. Na mercearia éramos, por isso, convidados a todo o momento a conhecer a vida e a história de todos.
O meu pai praticamente participou ou fez parte de tudo o que mexia com a vida desta terra, pois lembro-me que foi vereador na Câmara da Lagoa, presidente da Junta, presidente fundador da Casa do Povo e presidente da filarmónica. Foi, igualmente, um dos fundadores do Santiago F.C., mas já tinha, antes disso, o seu clube dos “Batedores da Onça” que se juntaram aos “Vermelhos” do mestre José Leste, originando o Santiago.
Esteve o meu pai também na comissão das festas e, nesse tempo, fez viagens de angariação de fundos para a construção do Salão Paroquial da Igreja, durante um mês e meio, pelos EUA, Canadá e Bermuda.
Eu ouvia atento e aprendi ainda com as outras pessoas com quem meu pai se relacionava bem da nossa vila ou da Caloura, assim como muitos dos que viveram no tempo do meu pai. Com eles ouvi muito, tive a oportunidade de conhecer a história das fotografias que narram as vidas de muita gente, os seus episódios e consequentemente da nossa terra.
Ainda hoje continuo a falar com o mais idoso de Água de Pau, para me ir passando toda a informação possível que guarda, antes que se perca devido dos seus 101 anos, realizados em 12 de agosto de 2024. Trata-se do senhor Tobias Teixeira, emigrante que saiu da nossa terra para S. Paulo, no Brasil, com a sua família em 1953 e que tem uma memória indescritivelmente fabulosa. Outro exemplo de conhecimento e ricos testemunhos históricos sobre as vivências na nossa Vila de Água de Pau, foram-me passados pela emigrante pauense Amélia Nabinha, em New Bedford, nos EUA, e que infelizmente partiu em 2023 com quase 109 anos.
Gosto de passar o meu tempo a ouvir, a aconselhar-me sobre assuntos da nossa história e as suas gentes. E as questões são colocadas a esta gente toda, devido às centenas de fotos que possuo.
As histórias que eu conto, são todas fundamentadas no conhecimento adquirido com as pessoas, desde os meus tempos de criança. Vamos trocando informações, enquanto registo tudo para divulgar em livro.
Felizmente a memória ainda não me falta e tal como me disse um dia o professor José Hermano de Saraiva, no Cerco da Caloura, quando o levei nos meus ombros, com o seu produtor, para a Ponta da Galera, para ele gravar um segmento histórico para o seu programa de História, na RTP. Estava a debruçar-se sobre as primeiras emigrações para fora desta ilha, em particular para os Estados Unidos, quando comentou, satisfeito, por lhe ter dito uma coisa que ele não sabia. Vejam os humildes grandes homens da história como são! Mas, a seguir ficou chateado comigo, quando começou assim a sua gravação: – “Foi aqui, por esta ponta mais a sul que começou…” Interrompi-o e ele não gostou nada, pois já estava a gravar, fazendo cara de poucos amigos. Todavia, quando expliquei porque não podia começar a falar de Água de Pau com “foi aqui…”, ele ouviu-me e riu-se com a história de “Foi aqui que a Porca Furou o Pico?”. Ele disse-me que devemos defender a história da nossa terra e que as coisas mais importantes devem merecer a nossa atenção primeiro e para se evitar as de menos, mas para não as esconder da história.
É preciso ter cuidado com a publicação de fotos, deve-se respeitar os seus direitos de autor e a sua história. É um dever que temos para com quem as tirou, para quem as cedeu e para com aqueles que as vão ver no futuro.
Assim é que se faz história para todos aprenderem e conhecerem o que devem e merecem. É assim que as fotografias contam a vida e a história de várias gerações da gente da nossa terra.
As fotos antigas podem contar a História da Nossa Terra, como as que foram tiradas por exemplo, por um emigrante que regressou dos EUA em 1870 a Água de Pau. Trouxe a sua máquina Kodak, fabricada em Rochester NY, que depois veio parar à minha família e mais tarde foi-me oferecida com alguns dos seus originais, em vidro e em papel. Mais tarde, investi para as recuperar em Lisboa mas depois foram roubadas por um indivíduo com responsabilidades autárquicas para andarem em revistas e álbuns de fotos sem “tarelo” por mãos impróprias e afastadas da sua história.
Temos de respeitar e dignificar as fotos antigas e históricas. Não se pode mandar para a rua sem se saber a sua história ou apenas colocando uma data inventada!
Dirijo-me aos que gostam de valorizar o património, legado pelo nosso povo através de fotografias.
Obrigado pela vossa paciência se tiverem lido todo o texto. Vou continuar assim, como sempre, para quem tiver paciência de me sofrer.
Sinto orgulho ao ver nas redes sociais a “minha” Escola Básica Integrada de Água de Pau associada a atividades escolares, culturais, desportivas e pedagógicas com sucesso.
Há diversos lugares panorâmicos na nossa Vila onde podemos ver completamente todos os edifícios que constituem as diversas valências, com a sua moderna arquitetura, localizada entre a ribeira dos Moinhos e a rua do Foral Novo com ligação à Caloura.
A sua integração na urbe pauense valoriza e eleva a Vila para um patamar superior no espaço e na qualidade de ensino.
De quando em vez recordo os meandros da construção daquela escola e dou por mim a recordar-me que quando o engenheiro Luís Martins Mota me convidou para formar equipa com ele para nos candidatarmos à Câmara Municipal de Lagoa, em eleições autárquicas a 17 de dezembro de 1989, entre os motivos que aceitei o desafio estava a minha proposta de se construir uma Escola Básica Integrada na Vila de Água de Pau. Ele aceitou, e, eu tinha um terreno apontado e acordo firmado da venda pelo proprietário.
Eleitos nas listas do Partido Socialista, o presidente Luís Martins Mota e eu (vice-presidente), deslocamo-nos a uma Secretaria Regional para reunir com o Secretário das Obras Públicas, Américo Natalino Viveiros. Com ele deixamos um pedido elaborado, com planta de localização do terreno e memória descritiva da necessidade que a Vila de Água de Pau tinha de uma nova escola. O Secretário disse que ia mandar fazer um levantamento topográfico do terreno e um parecer técnico sobre a viabilidade de construção no mesmo.
Três meses depois, por ausência do presidente da Câmara, estava eu como presidente em exercício, quando recebi uma carta do senhor Secretário das Obras Públicas, inviabilizando a escola por o terreno não ter as condições exigidas para a construção duma escola. Não esperei pela vinda do presidente e eu próprio respondi-lhe que não aceitava o argumento que inviabilizava a construção e que acreditava eu que quando mudasse o Secretário das Obras Públicas, a escola iria se construir.
Decorria o nosso segundo mandato na Câmara de Lagoa, quando o presidente do Governo Regional, Dr. João Bosco Mota Amaral, do PSD, se demite. Nas eleições legislativas seguintes, Carlos César, pelo PS, sucede-lhe e muda o Secretário das Obras Públicas.
A partir daí volto a insistir com outro pedido de viabilidade de construção para a Escola de Água de Pau. Martins Mota e eu insistimos com Carlos César que coloca o assunto numa lista de prioridades. Entretanto, fui mantendo o compromisso de venda do terreno para a escola com o proprietário, senhor José Amaral (Trajana). José Contente, o novo Secretário Regional responde afirmativamente e a construção da escola começa a ser uma possibilidade, porque nos enviou um anteprojeto. Realizaram-se reuniões entre técnicos das Obras Públicas, conselho diretivo, professores, técnicos da CML, contando com a minha presença incondicional em todas as reuniões.
O projeto moldou-se conforme as solicitações e exigências do ensino até que parou a dada altura.
Soubemos, eu e o meu presidente Martins Mota, que se o Governo comprasse o terreno, o investimento na escola só ocorreria cinco anos depois. Levei algum tempo a insistir com Martins Mota para ser a Câmara a adquirir o terreno para que o governo pudesse então calendarizar a construção da escola num próximo orçamento da Região. Martins Mota anuiu, mas tivemos que esperar mais um ano e quando tivemos dinheiro, chamamos a viúva e os filhos do proprietário, já que o marido havia falecido. E fizemos a escritura de compra do terreno, numa cerimónia que decorreu na Junta de Freguesia da Vila de Água de Pau.
Passados 15 anos, já em 2004, o presidente Luís Martins Mota deixa a Câmara Municipal de Lagoa. João Ponte assume a presidência em sua substituição e comigo vence um próximo mandato. Continuam a verificar-se reuniões para atualização do projeto da escola, até que em determinada altura, depois de tanta insistência minha, em 2007, o Secretário Álamo de Meneses leva o projeto a reunião de Governo e o mesmo é contemplado com orçamento e inicia-se a obra.
Ainda acompanhei a obra na sua fase de construção, sempre tirando fotografias. No entanto, no fim de 2009, já 20 anos depois [1990-2009], deixei a Câmara Municipal de Lagoa e o presidente João Ponte é que assiste à conclusão e preside com Carlos César à inauguração da nova escola.
Para a inauguração da escola não fui convidado, mas não me coibi de aparecer. Decorria a cerimónia, com os habituais discursos de circunstância, no pátio de entrada cheio de entidades, autarcas municipais e de Junta, professores, pais, alunos e eu entrei a meio dos discursos, abri corredor entre os presentes arrastando atrás de mim uma fila de pais e alunos meus convidados. Entrei pela escola dentro, sala por sala. Sentei os alunos com os pais e tirei fotografias. Depois quando estavamos a sair, confrontamo-nos com a comitiva do Governo, da Câmara, da Escola e convidados visitando a escola. Carlos César perguntou-me: – “de onde vens? – Vim inaugurar a minha escola!”, respondi-lhe.
Felicito-me, sinto-me feliz pelo sucesso da “minha” Escola. Realizei uma viagem de intercâmbio cultural aos Estados Unidos com uma delegação de estudantes e professores, organizei um programa cultural com o apoio de patrocinadores americanos, foi uma experiência inesquecível para os docentes e alunos.
Lancei em 2019, no auditório repleto da minha escola, o meu primeiro livro “Antes Que A Memória Se Apague I – Crónicas de Água de Pau” e fui convidado para dar duas aulas na “minha” Escola sobre a História da Vila de Água de Pau.
Sinto-me realizado sempre que me cruzo com alunos nas ruas da minha vila a caminho da “nossa” Escola.
Dou por mim a recordar a minha avó Julinha, as suas histórias e o tempo alegre da minha infância nas vindimas da casa da Galera, na Caloura da Vila de Água de Pau. Vou abrir uma janela no seu passado, para recordar a história que sua irmã mais nova, a Maria José, me contou sobre ela.
A minha mãe um dia avisou-me que preparasse o carro para ela, eu e meus irmãos irmos à Água D’Alto, sua terra natal, visitar sua tia Maria José, chegada da Califórnia. Tia Maria José emigrara para a Califórnia e de lá fizera carta de chamada aos irmãos Francisco, Manuel, Victorino e à irmã Rosário. Permaneceram em Água D’Alto as duas irmãs Júlia e a Maria de Jesus. Foi só em setembro de 1973 que a irmã Maria José regressou, pela primeira vez, à ilha de S. Miguel, desde que a deixara. Ela prometera regressar à Água D’Alto para abraçar Maria de Jesus, a sua única irmã ainda viva.
Naquele ano de 1973, eu tirara a carta de condução e dirigi o nosso Volkswagen até à porta da casa da tia Maria de Jesus, irmã da avó Júlia, falecida alguns anos antes. A sensação com que fiquei na altura foi que titia Maria José mostrou seu afeto por sua sobrinha Maria Lia, mas minha mãe demonstrou ainda maior alegria por a ver e abraçar. Desde criança, ouvíamos minha mãe falar com saudade, de seus tios e tias. Sempre gostei de ouvir histórias antigas da nossa família, e por isso, aproximei-me da tia Maria José da Califórnia, pedindo-lhe que me contasse a sua história de emigrante, pois fora a primeira dos irmãos a chegar à Califórnia. O seu semblante mudou, o sorriso desapareceu e em seu lugar a sua face enrijeceu e desagradada com o meu interesse, afastou-se. Envergonhado e sem perceber o que dissera que a deixara zangada, livrei-me do ambiente e fui para o balcão no exterior da casa esperar que terminasse a visita. Na hora de regressarmos a casa, nem me aproximei da tia Maria José para me despedir. Ela não gosta de mim, pensei. Mas ela veio ter comigo, puxou-me e disse-me, baixinho: “- Vou partir daqui a cinco dias, na terça-feira à tarde. Vem amanhã pelas nove horas e conto-te a história que querias saber.” E, nisso, agarrou-me e deu-me um beijo na face. No outro dia, sentados no balcão, em frente à porta do quintal, a tia Maria José avisou-me que me contaria a sua história, mas que não a poderia contar antes dela partir para a América. Prometi e só, anos mais tarde, pude contar o segredo que me confiou.
Na primeira metade do século XX, minha avó Júlia, e os seus seis irmãos viviam com os pais, Flora de Jesus Rego Quintanilha e Francisco Furtado Simas, numa casa da rua da Cruz, em Água D’Alto. Júlia namorava um rapaz da terra chamado José que ambicionava emigrar para a América, nem que fosse num barco baleeiro. De tronco robusto e mãos calejadas do rude trabalho nas terras da freguesia, meteu-se num desses barcos baleeiros que na torna viagem da faina nas ilhas do ocidente, passou em São Miguel. Júlia ficou vendo passar os dias, esperando notícias. Se tivesse sucesso, conseguisse trabalho e casa na Califórnia, José viria casar à ilha e levá-la para a América. O tempo foi passando e Júlia não tinha notícias de José. Na verdade, só escreveu a Júlia quase um ano depois, mas esta nunca receberia nem a primeira nem as cartas seguintes. Embora tardias, as que iam chegando, a irmã Maria José, a responsável da casa por ir aos correios levantar a correspondência, não as entregou à Júlia. A demora de José em escrever explica-se dado a América estar a recuperar da “depressão económica” e ele, nesses tempos difíceis, não ter encontrado trabalho. Um dia, sem forças e com fome, desfaleceu e caiu à entrada dum “farm” de. O proprietário recolheu-o, e deu-lhe trabalho. Alguns meses depois, já com trabalho e casa onde ficar, tratou de escrever a Júlia várias cartas que nunca tiveram resposta. Passaram-se alguns anos e, entretanto, Júlia sem notícias, pensara que José, ou tinha morrido ou casado na Califórnia. Apareceu então Mariano de Lima, emigrante nas Bermudas, de regresso a Água D’Alto que lhe pediu namoro, e, depois, casamento. Júlia aceitou. Maria José escreve a José para a Califórnia dando conta de que Júlia, sua irmã, se tinha casado, mas que ele não ficasse triste, porque na verdade quem sempre mais gostara dele fora ela – a Maria José. José fica desiludido, mas, atribui ao destino o facto de não poder casar com Júlia. Por isso, depois de pensar algum tempo, decidiu mandar buscar Maria José para a Califórnia. Com ela se casou e teve cinco filhas.
Júlia acreditou em Maria José quando esta lhe disse que José desistira dela, até porque agora já pensava apenas no seu Mariano de Lima. Júlia Furtado Simas e Mariano de Lima, meus avós, tiveram dois filhos, Victorino Furtado Lima e Maria Lia Lima, minha mãe. No início de 1950, meus avós mudaram-se de Água D’Alto para uma propriedade com casa na Galera, em Água de Pau. Foi aí que meu pai conheceu minha mãe, e se casaram a 30 de novembro desse ano.
No início de 1990, Mabel e Adelina, duas das filhas de tia Maria José vêm de Kerman (Fresno), Califórnia, à ilha para conhecerem os primos em São Miguel. Por coincidência, o táxi que as trazia do aeroporto, parou na frente do nosso supermercado A Cova da Onça. Depararam com minha mãe e perguntaram-lhe se sabia onde vivia sua prima Maria Lia, porque traziam indicação para perguntar por ela, em Água de Pau. Adivinhem a alegria deste reencontro!
Todos, primos e primas, recordamos a história, que lhes contei apenas, depois da tia avó Maria José Furtado Simas ter falecido. Todos estamos felizes porque, se assim não tivesse acontecido, não estaríamos cá para a contar.
Antigo solar do Capitão-mor da Vila de Água de Pau, João Policarpo Botelho Arruda. A construção de uma casa com esse porte em Água de Pau, leva-nos a pensar nos grandes desta Vila, quando foi sede de concelho de 1515 a 1853, sete anos antes da Lagoa ter sido também elevada a concelho em 1522.
Homens grandes e patriotas viveram, caminharam pelas ruas desta Vila e armaram-se cavaleiros, indo defender Portugal nas lutas contra os infiéis inimigos mouros em terras longínquas da pátria. Regressando em 1525 trouxeram «louvores e méritos» que se lhes foram dados pelo rei de Portugal. Não os querendo para si, ofereceram-nos à sua Igreja. Ainda hoje vemos esse registo no brasão que em cima a imagem da Senhora dos Anjos, no altar da capela principal da igreja. Igreja, capelas, ermidas e solares são parte do legado patrimonial que os grandes da Vila de Água de Pau nos deixaram. Devemos por isso, honrar aqueles que nos legaram tanto e importante património, estendendo-lhes um tapete à frente de cada um dos edifícios históricos — em sua memória — como forma de respeito e agradecimento.
A Casa do Povo aqui instalada neste nobre edifício e a Junta de Freguesia na antiga Casa da Estrela, no Largo do Santiago, já o estão fazendo há já alguns anos. Todos os que vivem em casas apalaçadas e históricas, como esta, nesta Vila de Água de Pau, deviam fazer o mesmo ou pedir apoio às entidades autárquicas, para pelo menos no dia 15 de Agosto poderem estender também o seu tapete de flores com a dignidade que os nossos «Grandes de Água de Pau» merecem.
Quem ama o seu passado, reconhece o presente e acredita no futuro e a Vila de Água de Pau tem um passado histórico que todos os pauenses devem se orgulhar.