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A Esperança, a primeira que morre

Pois é na esperança que fomos salvos. Mas uma esperança que está à vista não é esperança. Alguém espera aquilo que vê? (Romanos, 8:24).

Júlio Tavares Oliveira

Fomos intimamente criados como seres de plena Esperança; para ter Esperança e para comungar Esperança; mas fomos também criados para julgarmos a Esperança, essa mesma, como um carimbo do nosso caminho, esse, a ser feito, nunca realmente terminado ou finalizado num termo; somenos a Esperança como a última Solução, ou a Solução Final, de qualquer parte ou conflito ou amor.

A Esperança é a primeira que morre em qualquer momento, num momento – não a última a morrer neste momento; portanto precisemos, tanto, que morra sempre uma Esperança, uma preciosa Esperança, na nossa vida de tantas e de tantas ânsias e de imensos sonhos, para que outras possam nascer e crescer em vida.

Nesse Caminho de abertura, de hoje, que não o vemos na solução do amanhã, não nos afeiçoemos nem nos acomodemos à estreiteza de o julgarmos mais ou menos errado ou certo; aperfeiçoemos os erros, limemos as arrestas e, dessa velha Esperança perdida, caducada, renasça uma nova, diferente, noutros e com outros sonhos e cores.

A vida é uma contínua plenitude e remada de Caminho – outrora feito de dissolução, outrora feito de conjunção –

«Bendizei o que vos perseguem, bendizei não amaldiçoei» (Romanos, 12:14).

Queria, também, deixar-vos essa passagem de Romanos (12:14) que nos ensina, profundamente, e cito novamente, e não pagarmos «a ninguém o mal com o mal, interessando-vos pelo que é bom diante todas as pessoas. Se for possível da vossa parte, vivei em paz com todas as pessoas» (Romanos, 12:17-18). Mais do que uma passagem bíblica, é uma lição de humanidade – do Bem pelo Mal e do Bem que vence, e suplanta, sempre, todo o Mal.

Uma vez que não devemos apagar o rasto de uma má ação do outro, nosso par, com uma má ação nossa, posto que isso não lhe apagaria, de novo, o rasto, só tornaria mais acesa a linhagem desse Mal do outro, a palavra bíblica da Carta aos Romanos, no Novo Testamento, ensina-nos que todo o Mal deve ser sublimado por um ato de Bem e que todo o Bem justifica-se sempre sobre todo o Mal, indepentemente da sua gravidade.

«Se Deus está por nós, quem está contra nós?».

Termino este artigo com uma reflexão, necessária, sobre o nosso falecido Papa Francisco:

O Papa Francisco foi um homem que se tornou simples; mas nunca, jamais, um simples que se tornou homem. Ele dedicou-se à simplicidade na túnica que vestia e nas sandálias; fidelizou-se à alegria, em Cristo, e à Juventude – humanizando-se à Sua Imagem e Semelhança, da mesma forma q’Ele se humanizou, em Cristo, à nossa Imagem e Semelhança. E não será, esse, o nosso mais genuíno papel, a nossa mais firme devoção e missão, nesta breve vida?

Num momento em que todo o Cristão-Católico – que sente a sua Fé pela Fé, à sua maneira, não ostentando, gratuitamente, o título honorífico de crente ou a sua senha de presença nas Missas de todo o ano -, todo aquele que descobre, que apalpa os seus erros, que calça e que descalça as suas sandálias, que caminha, em frente, e que abraça o pecado como parte da sua culpa e do seu caminho para a sua salvação na toma da sua Fé em Cristo; para todo aquele que, apascentando a sua remissão, e reconhecendo-se justamente um pecador, e que, neste momento, vê «Franciscus», deitado sob a mortalha, e se sente mais desabitado neste mundo:

para todos estes, deixo a seguinte passagem de Romanos: 9:31: «Se Deus está por nós, quem está contra nós?».

Até sempre, nosso Papa.

Abril e o direito de votar em Liberdade

Venicio da Costa Ponte
Vice coordenador da iniciativa Liberal Açores

Abril é o mês da liberdade. Mas mais do que uma memória de cravos nas janelas, deve ser um convite à ação — especialmente quando estamos a poucos dias de novas eleições. No dia 18 de maio, os portugueses voltam às urnas para escolher quem vai governar. Nesta escolha, há uma coisa que importa relembrar: a liberdade não foi sempre garantida. E não é garantida para sempre.

A 25 de Abril de 1974, Portugal acordou de uma longa noite. Durante 48 anos, o país viveu sob uma ditadura que silenciava opiniões, censurava jornais, perseguia opositores e negava a participação política livre. A Revolução dos Cravos foi muito mais do que a queda de um regime — foi o renascimento da cidadania, da pluralidade, da possibilidade de discordar e de propor caminhos diferentes. Foi o começo de um país novo.

Mas o processo democrático não se consolidou num só dia. Após o 25 de Abril, houve tempos de instabilidade e tensão, em que se disputava não apenas o poder, mas o próprio modelo de sociedade que iríamos construir. Foi nesse contexto que o 26 de novembro de 1975 tornou-se um marco. Nessa data, as Forças Armadas — divididas internamente — puseram fim a uma tentativa de desvio autoritário por parte da extrema-esquerda. O que estava em causa não era apenas quem mandava, mas se Portugal seguiria um caminho democrático e plural ou cairia noutra forma de repressão, ainda que em nome de uma ideologia diferente. O resultado foi claro: escolhemos a liberdade — de expressão, de organização, de voto. Liberdade para todos.

Hoje, quase cinco décadas depois, essa mesma liberdade continua a viver em cada ato eleitoral. É fácil esquecermo-nos do seu valor quando nascemos já em democracia. Mas votar continua a ser um dos gestos mais poderosos que podemos fazer — não apenas por nós, mas por quem virá depois.

No próximo dia 18 de maio , somos chamados novamente a escolher. Entre muitas opções legítimas, está também a possibilidade de votar liberal. Em ideias que defendem a liberdade individual, o mérito, o empreendedorismo, a descentralização do poder e uma economia aberta. Essa escolha não tem sido tradicionalmente dominante em Portugal — talvez por herança histórica, talvez por preconceitos persistentes — mas é uma escolha válida, legítima e profundamente democrática.

Escolher votar liberal não é virar as costas a abril — é afirmar uma visão diferente sobre como cumprir os seus ideais. Porque liberdade também é isso: poder acreditar que o Estado não tem de estar em todo o lado, que o indivíduo pode e deve ter espaço para crescer, que a responsabilidade pessoal é uma forma de dignidade, e que uma sociedade aberta e exigente pode ser mais justa do que uma sociedade controlada e paternalista.

Para os mais jovens, que muitas vezes se sentem distantes da política, esta pode ser uma oportunidade de fazer a diferença. O voto não muda tudo — mas é o começo de tudo. É o primeiro passo para exigir, construir, transformar. É a forma mais direta de dizer: estou aqui, tenho voz, quero participar.

Abril de 1974 devolveu-nos essa voz. Novembro de 1975 protegeu-a. Em Maio de 2025, cabe-nos a nós usá-la — com liberdade, com consciência e com coragem.

Neste mês da liberdade façamos uma reflexão, sejamos dignos da história que herdámos. E façamos do voto uma afirmação clara do país em que queremos viver.

Reflexão após a Páscoa

Ricardo Pinto de Castro e César
Sociólogo – ISCTE-IUL

Após a celebração da Páscoa, fica em nós uma reflexão profunda sobre o seu significado, que vai para além do seu aspeto religioso. Este momento convida-nos a pensar na fé, nos valores e na ética que orientam a nossa vida e a sociedade em que vivemos.

A Páscoa, enquanto celebração de renovação, esperança e ressurreição, deixa uma marca na nossa mentalidade, reforçando a importância de manter viva a fé, mesmo num mundo cada vez mais secularizado. Na sociedade atual, a mentalidade religiosa convive com um contexto onde os valores tradicionais enfrentam desafios de uma cultura mais individualista, tecnológica e globalizada. Ainda assim, muitos continuam a encontrar na fé uma fonte de força, esperança e sentido, mesmo que de forma mais pessoal ou menos institucionalizada.

Para além do seu aspeto religioso, a Páscoa é uma oportunidade para refletirmos sobre a renovação, a esperança e os valores que orientam a nossa vida e a sociedade. Mesmo num mundo cada vez mais secularizado, muitos encontram na fé uma fonte de força e esperança. Além disso, a celebração pode inspirar-nos a valorizar a solidariedade, a justiça e o amor ao próximo, contribuindo para uma sociedade mais justa, compassiva e consciente.

Adicionalmente, a Páscoa pode despertar o interesse pelos movimentos sociais que promovem a solidariedade, a justiça e a ética, reforçando a importância de valores como o amor ao próximo, a esperança e a responsabilidade social. Este período incentiva-nos a refletir sobre o que realmente importa e a cultivar esses princípios no nosso dia a dia, contribuindo para uma sociedade mais justa, compassiva e consciente. Assim, a Páscoa permanece como um símbolo de renovação interior e de compromisso com valores que fortalecem a nossa convivência coletiva, deixando em nós o desejo de construir um mundo melhor.

Montenegro e o futuro do fascismo em Portugal

Alexandra Manes

Escrevo estas linhas com a expectativa de que as mesmas sejam publicadas durante a semana em que o nosso país celebra o quinquagésimo primeiro aniversário do Dia da Liberdade, a mais importante data refundadora em Portugal. Escrevo-as a penar nas eleições legislativas do próximo mês de maio. A refletir sobre o catastrófico estado da política a nível mundial. E a desejar que este seja um texto que sirva, a eleitores e a eleitoras sociais-democratas, socialistas, ou de outras vertentes não apoiantes de Elon Musk e Javier Milei.

Este é um apelo e uma apreciação do que se pode perspetivar sobre os próximos anos no nosso país. Os Açores são já tubo de ensaio, com a Madeira a servir de exemplo negativo, noutro quadrante. E agora, no próximo mês, vamos aferir resultados e perceber se a escola estará também montada em Lisboa. É que, como nos diz a sabedoria popular, depois de uma porta aberta, tudo pode entrar.

Essa porta ideológica está a ser preparada pelo Partido Social Democrata há algum tempo. Depois dos resultados das últimas eleições legislativas, os poderosos do partido finalmente perceberam a ameaça que lhes espreitava à janela e reconheceram que o eleitorado se esfumava entre as mentiras de Ventura e as falinhas engravatadas dos novos-ricos do neoliberalismo. Quando venceram, por muito pouco, ficaram sem saber se deveriam aceitar uma eventual aliança com aqueles que bem sabiam serem filhos do fascismo. Ao que tudo indica, foi o próprio Luís Montenegro que impôs disciplina, e negou o irmão Ventura. Não creio que o tenha feito por imposição moral, mas antes por desgosto pessoal. Luís e André foram amigos no recreio de Pedro Passos Coelho, e desde então andam a lutar pela sua aprovação. Quem não acreditar, pesquise por um livro chamado “Montenegro” e rapidamente perceber quão antiga é a guerra.

Volvido um ano e um dia, o governo cai. O PSD e o CDS perdem o PPM. O primeiro-ministro parece que perdeu um bocadinho da moral que lhe restava. E uma parte do seu partido perdeu, certamente, o juízo. Ameaçados com a possibilidade de uma derrota, mesmo que relativamente pequena, os sociais-democratas apressam-se a vir à praça pública apelar à unidade com o chega. Não é a primeira vez que o vemos, mas agora parece ser fruto de um esforço concertado. Miguel Relvas, velho amigo do Coelho, do Ventura e dos intrujões todos, tem sido o primeiro a dar a cara, nos seus programas de comentário político, onde vai esgrimir o conhecimento que obteve da sua relevante habilitação académica em ficção, para apelar a uma união nacional entre Luís e André. Também por cá, nos jornais regionais, encontramos artigos, onde se fala da queda de uma coligação para a formação de outra, com incentivo ao começo de uma nova era. O bloco de direita, é como lhe chamam à porta fechada. Colocam-se ao lado daquele partido, sem receio de admitirem que são parecidos com eles, os que contam com mais alegados criminosos por metro quadrado do que a esquadra da polícia no centro de Ponta Delgada.

Para sobreviver e vencer a qualquer custo, as forças vivas do PSD estão dispostas a fazer a derradeira aliança e a dar a mão a Ventura e à sua quadrilha. O eleitorado foi já vítima de uma profunda lavagem de desinformação e ilusão. Já não sabem bem a diferença entre Luís e André. O que lhes interessa é que não sejam socialistas, que esses são os maus da fita, pelo que leram nas redes sociais. Os comentadeiros vão receber os dividendos, seja com um lugar no elenco principal, seja com um negócio futuro, bem posicionado. Depois dos votos serem contabilizados, em maio, há uma forte possibilidade de Montenegro ser obrigado a tomar posse ao lado de Ventura, num novo acordo parlamentar, alicerçado nas boas relações de Bolieiro com Pacheco, e devidamente balizado pelas palavras de Albuquerque, que sempre disse que não tinha linhas vermelhas a ultrapassar.

Há mais de dez anos, o partido Republicano atravessou esse caminho e colocou os seus valores e líderes tradicionais de parte. Deixou de ser um partido de moral conservadora, para dar uma oportunidade a um gatuno, sem ética nem Humanidade. Num país onde só há duas alternativas, como é o caso dos Estados Unidos, a população ficou refém de um partido de centro e um que se dizia de direita, mas vendeu-se ao fascismo. Para ganhar às forças de Clinton, os americanos ofereceram a alma ao maior de todos os demónios. E nasceu um novo movimento, que atravessou o atlântico, devagar, mas conscientemente.

Do fascismo do movimento MAGA até às portas da sede do Chega, foi uma questão de tempo. Ventura é, pelas suas próprias palavras, convicto apoiante de Donald Trump. O esquema que ele perpetuou um Portugal, e que continua a cozinhar, é o mesmo. Vai obrigar o antigo colega a decidir. Ou o PSD ganha as eleições por pouco, ou o Chega vai subir ao poder. A pescadinha está montada. Portugal está entre a espada da corrupção e a parede dos salazaristas.

Não será segredo para quem me lê que eu sou de esquerda. Apelo sempre ao voto nas forças políticas da esquerda, mesmo que nem sempre concorde com tudo o que apregoam. Mas, faço-o porque creio que são os partidos que mais se preocupam com as pessoas, com a sua dignidade e com a emancipação do pensamento e da Humanidade. Compreendo que nem toda a gente queira votar na esquerda. Importa é que saibam que um voto na direita, nas próximas eleições, é um provável voto em André Ventura, de uma maneira, ou de outra. Com uma porta aberta, quase tudo pode entrar. E depois de um parasita entrar na nossa casa, não é nada fácil removê-lo. Os Estados Unidos que o digam.

Cinquenta e um anos depois do 25 de abril, a luta continua a fazer mais sentido do que nunca. A noite escurece, o populismo cresce, os editoriais dos jornais falam bem de Salazar e os comentadores apelam à união de forças para destruir a democracia. Hoje, mais do que nunca, é preciso dizer que fascismo nunca mais! Viva abril! Viva a Liberdade! 25 de Abril, SEMPRE.

Ansiedade: até que ponto é natural conviver com ela?

Maria João Pereira
Farmacêutica

Nos dias que correm, a ansiedade é um termo amplamente utilizado, mas ainda pouco compreendido. Todos nós temos ansiedade – é uma resposta natural do nosso organismo ao medo, perigo e ao stress. Quem nunca sentiu algum nervosismo antes de uma apresentação ao público ou antes de um teste? Nestas situações, é ativado no nosso organismo o sistema nervoso simpático, responsável pela resposta de “lutar ou fugir”. No fundo, a ansiedade existe como mecanismo de proteção que prepara o nosso corpo para reagir em caso de necessidade, aumentando a frequência cardíaca, a nossa atenção e tensão muscular.
A ansiedade torna-se um problema quando começa a causar alterações no nosso quotidiano, manifestando-se de modo excessivo, desproporcional e persistente, gerando um sofrimento intenso – aqui estamos perante uma perturbação de ansiedade.

As perturbações de ansiedade podem-se manifestar de várias formas e intensidades, sendo as mais comuns:

As causas da perturbação da ansiedade podem ser variáveis, incluindo fatores biológicos (predisposição genética e desequilíbrio nos neurotransmissores), fatores psicológicos (acontecimentos traumáticos, padrões de pensamentos negativos), fatores ambientais e estilo de vida (consumo de substâncias químicas, problemas de saúde mental ou físicos, sedentarismo, excesso de stress). As redes sociais, tão úteis nos dias de hoje, podem ser grandes impulsionadoras da ansiedade, fazendo-nos acreditar que tudo é perfeito na vida dos outros e que nós não somos suficientes.

Felizmente, a ansiedade tem sido extensamente debatida e são conhecidas várias estratégias para preveni-la ou controlá-la quando ela aparece: a prática de mindfulness (atenção plena ao momento presente), técnicas de respiração, exercício físico regular, alimentação equilibrada e uma rotina de sono adequada.

No entanto, em muitos casos, as mudanças para um estilo de vida mais equilibrado não são suficientes para o controlo da ansiedade. Procurar ajuda diferenciada, como um psicólogo e/ou psiquiatra, pode ser fundamental. É importante relembrar que um amigo não é um psicólogo.

Sentir ansiedade é normal. O que não é normal é ela controlar a nossa vida. É necessário falar sobre ela, identificá-la e pedir ajuda. Sem medos, sem preconceitos.

Viver com ansiedade é como viver com alguém sempre a falar na nossa cabeça, a colocar-nos medo e inseguranças. Já não tem de ser mais assim. Garanto-vos: ninguém está sozinho nessa caminhada.

“Hossana, hossana ao Filho de Davi!”

Padre André Furtado

Hoje damos início à semana maior na vida do cristão: a Semana Santa. Hoje, com fé, recordamos a entrada de Jesus em Jerusalém. O povo estendia mantos e ramos, aclamando: “Hossana ao Filho de Davi!” Mas é o mesmo povo que gritará: “Crucifica-o!” Como é frágil a esperança baseada em triunfos humanos! Como é inconstante o coração humano quando não se ancora no amor verdadeiro!

No Evangelho da Paixão contrastam-se dois tipos de esperança: a esperança superficial — a dos homens que esperavam ver milagres fáceis, soluções rápidas, gestos espetaculares, uma vida facilitada (tão presente nos dias de hoje) — e a esperança silenciosa e fiel de José de Arimateia, que aguardava o Reino de Deus com humildade e coragem, oferecendo até o seu túmulo a Jesus.

Diante da Cruz, as falsas esperanças caem por terra, e só permanece a esperança que nasce do amor. Cristo não desceu da Cruz. Não Se salvou a Si mesmo para provar o Seu poder. Permaneceu firme, por amor a nós. Mostra-nos que a verdadeira esperança não evita a cruz — passa por ela e transforma-a. Por isso, a esperança verdadeira é aquela que se purifica na dor, se fortalece no sofrimento e se ancora no Coração trespassado de Jesus.

A narrativa da Paixão apresenta-nos um Cristo sereno, compassivo, que perdoa até mesmo na cruz: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.” Jesus não perde a Sua identidade, mesmo diante da dor e da injustiça. Ensina-nos a permanecermos fiéis, mansos, humildes e firmes no amor, mesmo nas situações mais difíceis.

E há personagens na Paixão que também nos interpelam:

• Pedro, que O nega por medo, mas depois chora amargamente;

• Pilatos, que reconhece a inocência de Jesus, mas lava as mãos;

• Simão de Cirene, que ajuda a carregar a cruz;

• As mulheres de Jerusalém, que choram por Ele;

• O bom ladrão, que, na última hora, se entrega à misericórdia de Deus.

Todos nós estamos ali. A Paixão não é apenas um relato antigo: é o espelho da nossa atual humanidade.

Na vida, experimentamos continuamente tudo isto: momentos de exaltação e alegria, e outros de prostração e desalento. Por vezes, parecem predominar estes últimos.

Mas é então que intervém o ânimo da fé e a palavra de Jesus, que o sustenta: “Coragem! Eu venci o mundo.” (Jo 16, 33). Sim, a esperança é impossível de apagar, porque constitui a força que une o divino e o humano, a elevação do homem até Deus e a familiaridade de Deus com a pessoa.

Olhamos para o nosso mundo e parece que só vemos o mal em estado puro: atrocidades, destruição de vidas e da natureza. Sem a esperança, o cenário é sombrio. O relato da Paixão do Senhor parece continuar a reescrever-se na história da humanidade: condenação de inocentes, prepotência dos poderosos, banalização ou normalização do mal, indiferença de tantos, o aparente silêncio de Deus, atentados contínuos contra a vida humana… Tudo parece condenar e fazer desaparecer a esperança, levando-nos à desistência. E muitas vezes o nosso silêncio, em situações que deveríamos condenar e contrariar, é uma arma que mata.

Mas não! Basta de vivermos constantemente agarrados às esperanças mundanas, que nos fazem procurar a Deus apenas quando o mundo nos cai aos pés. Ancoremo-nos na esperança que não se apaga: este Deus que está presente em todos os momentos da nossa vida. Não façamos de Deus um deus ocasional.

Ancoremo-nos na esperança que não se apaga. Ela é:

– a virtude das mulheres e dos homens que fazem projetos e participam na Criação,

– que sonham e plantam a novidade da graça;

– o estímulo para meter mãos à obra e transformar os rastos de destruição numa primavera de vida;

– o garante de que, da cruz ensanguentada, surgirão raios de luz, da ressurreição e vida nova que nenhum túmulo poderá encarcerar.

Ela, de facto, anima a fé nos tempos humanos e fortalece a caridade.

Na Cruz, tudo ganha novo sentido:

O medo transforma-se em confiança;

A escuridão, em luz;

A derrota, em vitória;

A morte, em vida.

Do alto da Cruz, Jesus diz a cada um de nós: “Hoje estarás comigo no Paraíso.”

É esta promessa que sustenta a nossa fé, mesmo quando tudo parece perdido. Porque quem espera em Cristo Crucificado nunca está só. Quem Se entrega a Ele encontra força, mesmo na fraqueza.

Por isso, irmãos: “ancoremo-nos e esperancemo-nos” — nas palavras, nos gestos, nas dores e nas alegrias.

A cruz é dura, mas a Páscoa vem!

Tal como a primavera chega depois do inverno, a alegria virá depois da cruz.

Açaflor, malagueta e clavícula

Alexandra Manes

Não se conhece ainda, a fundo, o processo que decorreu nas últimas semanas, referente à queda de uma aluna, com consequente enfermidade evidente, fratura da clavícula e outras maleitas no corpo. A informação que veio a ser transmitida publicamente parte, essencialmente, da mãe da aluna, que o fez com a natural ansiedade e revolta de quem se viu de coração na mão perante o surrealismo daquela situação. Das entidades competentes, pouco se soube de concreto, e tudo o resto foram apenas palavras de defesa sobre o aparentemente indefensável.

Por não conhecer a totalidade dos factos, não será viável escrever sobre este assunto de forma detalhada. Não sou mãe, mas sou filha, e considero ter empatia suficiente para estar profundamente solidária com quem por tudo isto passou.

A minha solidariedade vai, desde logo, para a jovem, para a sua mãe e restante família, afligida não só pela aparente gravidade do caso, mas também pela enxurrada de opiniões públicas que foram surgindo nos últimos tempos. Viver numa ilha nem sempre é fácil. Desejo-lhes pele rija para aguentar os habituais autos de fé que se seguem a estes episódios.

A solidariedade vai também para quem trabalha naquela escola, dedicada ao patrono Vitorino Nemésio, homem da pedagogia e da cultura, que certamente estaria constrangido com a atual realidade que assola a região que o viu nascer. O caso da jovem aluna, vítima deste sistema, espelha a crueldade com que a máquina burocrática trata os mais fracos e os necessitados. Numa entrevista de poucos minutos, as entidades responsáveis deixaram subjacente que, na eventualidade de ter surgido algum problema no processo, os motivos prendiam-se com a falta de verbas, protocolos e estratégias para a gestão quotidiana de um estabelecimento como aquele.

Qualquer pessoa que trabalhe numa escola, na Região Autónoma dos Açores, identificará a gravidade da atual realidade financeira na Educação, pois por muito que se fale nas verbas orçamentais atribuídas à Educação, não nos podemos esquecer de que uma grande fatia é para a Ação Social Escolar, consequência de sermos uma Região pobre. Professores que preparam e imprimem os materiais em casa, a expensas próprias, descontado do ordenado, e que levam os seus equipamentos para trabalhar nas salas comuns. Um corpo não docente envelhecido que, no cumprimento de rácios, se encontra esgotado física e emocionalmente, com funções essenciais, mas cada vez mais exigentes.

Não me dá qualquer prazer continuar aqui a criticar esta secretaria e o seu gabinete, seja ele o oficialmente nomeado, seja o descentralizado que nunca deixou de ali trabalhar, mesmo que já não tenha espaço próprio para mandar. Não há nada de pessoal no que escrevo. É apenas necessário, porque as coisas teimam em não mudar e, conforme se escuta nos corredores do Palacete Silveira e Paulo e nas esquinas da rua Carreira dos Cavalos, há um sistema montado que permanece sem conseguir definir e executar uma estratégia.

Faço-o porque continuo a acreditar que a Educação é o único elevador social, a única ferramenta que é capaz de quebrar ciclos de pobreza, numa região onde os indicadores sociais demonstram a maior falha da nossa Autonomia. Faço-o porque acredito que numa região com tamanhas desigualdades sociais, onde todas as suas consequências se fazem sentir, a Educação tem o poder de alterar o futuro, que tendem traçar à nascença, de muitas e de muitos jovens.

Faço-o porque as instituições escolares, públicas, IPSS ou privadas, não são armazéns. São alavancas para o desenvolvimento sócio económico desta Região.

Mas, o vírus de crueldade burocrática, que sempre afetou uma parte da função pública, está totalmente instalado na Secretaria da Educação e Assuntos Culturais. Não podemos deixar de relembrar, quando se fala em opressão de pessoas desfavorecidas, a quantidade de agentes culturais que aguardam resultados para 2025, para saber o que fazer à sua vida. Não é demais falar nas paredes do antigo convento, caídas pelo chão com o peso de uma maquinaria pesada, junto à Santa Casa de Angra do Heroísmo, sem que aparentemente alguém da direção regional competente tenha feito algo para o impedir. E não nos devemos calar sobre os museus, as bibliotecas e os gabinetes onde caem bocados do teto e onde a cultura está remetida para a gaveta de inferior relevância.

A atual Secretária foi escolhida pelos dois executivos de José Manuel Bolieiro como representante de uma vida de sindicalista e política militante, no arquipélago, no país e no Parlamento Europeu. Afirmou-se como defensora de docentes e do sistema de Educação. Teve de acolher a cultura para seu infortúnio. E o grande resultado da sua carreira, talvez o maior dos seus legados, talvez seja o de uma Região cheia de escolas sem dinheiro para tirar fotocópias e museus sem dinheiro para comprar papel higiénico.

O aparelho por ela construído e mantido, com antigas e atuais figuras a trabalhar em simultâneo, e com o peso de qualquer decisão retirado às pessoas com formação e capacidade para o efeito, não é mais do que um ato de metaforicamente atirar pelas escadas abaixo todo um setor, onde falta cultura, perdeu-se a boa educação e é preciso muita ginástica moral para conseguir dormir à noite. Não será preciso ir mais longe do que uma peça de teatro para perceber quem são as marionetas desta história.

Com as legislativas, as autárquicas e as presidenciais a caminho, é altura de Bolieiro pensar em remodelar algumas partes do seu governo. Pressionem quem é preciso pressionar.

As e os vossos filhos merecem melhor. A nossa arte merece mais. O património universal merece respeito. O corpo não docente e docente merece dignidade. Temos de exigir mais.

A queda do duplex de Montenegro

Alexandra Manes

O Parlamento português fecha as portas. Está interrompida a reunião de plenário. Pelos corredores do pequeno poder, circulam os assessores e estagiários, numa correria interminável, para imprimir mais papelada, levar recados e trazer ameaças, justificando-se por ali existirem.

À noite estão no sofá, de cabeça entre as pernas, a desejar nunca ter escolhido tal inglória carreira, mas esperançosos num futuro ambicioso que nunca chegará.

O Parlamento está interrompido. Pedro Nuno Santos desce da sua bancada parlamentar devagarinho, e contempla duas portas por onde pode sair. Ao centro, nada de novo, para além de mais umas quantas teias de conservadoras aranhas. Na direita, estão dois matulões, com cara de ladrões de malas, prontos a recebê-lo. Pedro não sabe por onde ir, mas sabe que não irá por aquela portinha pequenina, à esquerda, onde para lá passar teria de despir uma série de casacos.

Com o Parlamento interrompido, Hugo Soares corre apressadamente em direção ao gabinete do chefe. Passa à frente a qualquer estagiário que se preze, demonstrando bem os motivos que o levaram aonde está. É o estagiário-mor, primeiro na linha da frente para repetir até à exaustão todos os argumentos que lhe impingirem, mesmo que não os perceba, nem sequer deseje perceber. O que interessa é defender, com razão, ou sem ela.

Hugo alcança a porta de Luís e bate regularmente à porta da capela. Do outro lado, Nuno Melo, completamente fardado em trajes militares decorados com a bandeira de Olivença, entreabre uma frecha. Tudo a postos para a sua entrada, caro colega.

Montenegro aguarda, silenciosamente, no topo de um estrado, de mãos entrelaçadas.

Numa primeira impressão, poderia parecer que o ainda primeiro-ministro medita sobre a sua precária situação. Observadores mais atentos poderão reparar na garrafa meio vazia, que esconde o nervosismo e tapa as rugas. Talvez consequência de algum comportamento urbano-rural, já denunciado pelo professor Marcelo? Nunca saberemos, agora que o presidente perdeu a voz num trágico acidente de choque de imoralidades. Luís Montenegro ergue o olhar na direção de Hugo Soares. Estará tudo perdido? O estagiário abana a cabeça e jura que ainda conseguirá negociar com Nuno Santos.

Recorda ao seu patrão os tempos das Jotas, onde tudo se negociava à porta fechada e nunca era preciso ir a eleições, sem ser para formalizar o que já se sabia. Relembra que ele próprio sempre foi um dos grandes caciques da sua época, e que não era agora que ia perder tudo, só porque jogavam em frente a mais câmaras. Esperava-lhes uma estrondosa vitória, ao lado do futuro presidente Marques Mendes, vencendo nas câmaras municipais de todo o país e com André Ventura a tirar cafés na sede do PSD da Malveira.

O ainda primeiro-ministro suspira. Está cansado daqueles “casos e casinhos”. Também ele foi das Jotas e estagiário-mor de Pedro Passos Coelho. Mas está grisalho. Com filhos crescidos e uma empresa bem-criada para alimentar. O sol já não lhe nasce com calor, e parece cada vez mais verde. Tudo o que Hugo lhe diz sabe a uma emoção de desconfiança. Pega na garrafa e enche mais um trago. Na etiqueta pode ler-se a marca branca: «SpinumViva Melhor», produto original da futura presidente de Portugal: Cristina Ferreira.

Pedro Nuno Santos passa à porta do gabinete do seu adversário. Pondera entrar. Já citou Sá Carneiro. Daí até ao bloco central é só um passinho de gigante. Ventura espreita ao fundo do corredor e lambe os beiços, de forma quase tão perniciosa quanto, alegadamente o seu colega de partido terá feito, enquanto acariciava crianças menores de idade. O líder do PS avança para a maçaneta, mas há qualquer coisa que o demove.

Será chuva? Será vento? Vergonha não foi certamente, mas há autárquicas no final deste ano quente, e é preciso mostrar alguma fibra. Fernando Medina, preso no teto por dois papagaios cor-de-laranja, solta uns impropérios e voa para longe, de regresso à torre do feiticeiro do Cavaquistão.

Os trabalhos no Parlamento retomam a sua força e eis que se dá o momento esperado. Montenegro, já tombado pelo remanescente da garrafa, aceita o seu destino de forma turva, enquanto Hugo Soares rasga as vestes e afirma que ainda irão vencer as eleições, e cada vez que abria a boca, mais me fazia relembrar Rabelais, no Rebanho de Panurge, “Panurge, sem mais dizer, atira ao mar o carneiro gritando e balindo. Todos os outros carneiros, gritando e balindo no mesmo tom, começaram a atirar-se ao mar logo a seguir, todos em fila. Cada um procurava atirar-se antes dos outros seus companheiros. Era impossível impedi-los, pois vós sabeis ser natural no carneiro seguir sempre o da frente, seja para onde for que ele vá.”.

Quase que aposta, mas deixa isso para quando for visitar os outros patrões ao casino. Portugal apanha mais uma gripe, e como é um país de grandes patriarcados, sofre daquele problema já bem diagnosticado por Lobo Antunes: a constipação masculina.

Neste caso, não sabemos se haverá pachos suficientes para curar esta febre toda, e a Lurdes está de férias, que não lhe pagam o suficiente para isto. Vamos para a primavera e, com o nevoeiro a levantar, talvez Sebastião não cavalgue entre as brumas cheganas, nem traga uma bandeira da Argentina liberal. Em quem é que se vota, até vos posso recomendar. Mas talvez o Tiririca tivesse razão. Pior que está, dificilmente fica.

A farsa dos “maiores apoios de sempre na Agricultura” está desmontada!

Patrícia Miranda
Deputada do PS na ALRAA

O Governo Regional decidiu retirar 14 milhões de euros à Agricultura, numa demonstração clara da sua falta de compromisso com os agricultores. Seis milhões foram desviados para a cooperação financeira com os municípios e outros oito milhões para a Secretaria do Turismo e Mobilidade.

A promessa de que este seria “o maior orçamento de sempre para a Agricultura” ruiu antes mesmo de se completar o primeiro trimestre do ano.

Para explicar este corte, o Governo alega que havia “excedentes” na Agricultura. Uma afronta à realidade do setor! Se há dinheiro a mais, porque é que há apoios por pagar? Por que razão não foi investido na modernização do setor, na melhoria dos caminhos agrícolas ou na criação de incentivos específicos para os jovens agricultores? Porque é que o SAFIAGRI aguarda desde 2022 e porque é que do AGROACRESCENTA pouco ou nada se sabe?

A verdade é simples: o Governo retirou dinheiro da Agricultura porque nunca teve intenção de cumprir as suas obrigações para com os agricultores.

A prova disso foi o Partido Socialista ter apresentado uma iniciativa que recomendava ao Governo pagar os apoios em atraso e a criar um calendário de pagamento, garantindo previsibilidade e estabilidade ao setor, e a coligação e o Chega terem chumbado essa proposta.

Fica evidente que a recusa em estabelecer um calendário de pagamentos tem um motivo claro: o Governo não se quer comprometer com os agricultores. Pelo contrário, opta por lhes retirar dinheiro.

Para explicar este desvio, o Governo garantiu que a República enviaria 17 milhões de euros para compensar essa transferência. No entanto, o próprio Secretário Regional da Agricultura veio agora admitir publicamente que essa palavra não está garantida. Isso significa que o dinheiro retirado da Agricultura pode nunca ser reposto e os agricultores perdem duas vezes: primeiro, porque os apoios continuam por pagar; segundo, porque o Governo Regional transferiu verbas para outras áreas sem garantir que o setor agrícola não ficaria prejudicado.

Se esse dinheiro chegar, já se sabe: será para tapar os buracos do Governo. Justiça para com os agricultores? Isso é secundário. O que interessa mesmo é garantir que a República financie a incompetência do Governo Regional.

Se o dinheiro não chegar, fica provado que o Governo Regional mentiu aos agricultores, retirou 14 milhões de euros sem garantias e deixou o setor ainda mais fragilizado, sem apoios e sem soluções.

Até do Chega foi exigida uma fiscalização sobre essa transferência de verbais.

O que não deixa de ser curioso, porque é com o aval do Chega que o Governo tem carta branca para fazer estes desvios. Foi com o voto favorável do Chega que a norma que permite transferências de verbas entre os diversos departamentos governativos, sem discussão no parlamento, foi aprovada.

Também não se pode ignorar que esse partido, tal como os restantes da coligação, votou contra a proposta do PS que resolveria o problema dos atrasos nos pagamentos aos agricultores.

Ou seja, quando se trata de garantir que os agricultores recebam o que lhes é devido, o Chega está ao lado do Governo e da coligação, contra os agricultores. Mas agora que o dinheiro da Agricultura está a ser desviado, fingem indignação.

Quem chumba soluções e só reage depois do problema estar instalado está a ser cúmplice do desinvestimento na Agricultura!

Este Governo, com o apoio do PSD, do CDS, do PPM e do Chega, está a desmantelar o orçamento da Agricultura enquanto diz que defende o setor. Mas os fatos são claros: menos dinheiro, menos investimento, mais dificuldades para os agricultores.

O Governo faz política à custa dos agricultores, retira dinheiro ao setor e agora nem sequer sabe se vai recebê-lo de volta.

A farsa dos “maiores apoios de sempre na Agricultura” está desmontada. Quem mente aos agricultores não governa para eles!

Não é sobre a viagem que fazemos, é sobre a forma como viajamos

Júlio Tavares Oliveira

Já, por vezes, nos questionámos, tantas vezes, em casa ou no café, ou mesmo ao relento na nossa cama, sobre o sentido «de tudo isto» – sobre as tantas vezes, mesmo, que errámos redondamente, sobre as mesmas tentativas falhadas, as inúmeras chamadas não atendidas, as mensagens ignoradas ou as relações falhadas; as mesmas ilusões sobre sonhos degradados; as mesmas dispendiosas desilusões amorosas sobre as mesmíssimas paixões atípicas não correspondidas.

Já, por vezes, com certeza, e ainda bem, nos questionámos, com angústia e desamparo, sobre a pessoa que amamos, e que se casou, no fim, com outro alguém – do porquê de tudo isto assim, sem conserto ou afeto; sobre aquele jogo que perdemos no último minuto da partida; sobre o penalti falhado ao poste; sobre o prato que caiu das nossas mãos e que se partiu no chão em mil bocados; sobre um mau dia no trabalho… Sobre tudo o que de mau (nos) acontece, e que sempre (nos) acontece só a nós.

Com certeza, caros leitores, e amigos, já vocês se questionaram, inúmeras e inúmeras vezes, sobre o propósito de estarmos todos aqui – juntos – a contar e a descontar os dias para um só dia: o da nossa morte.

Da minha curtíssima, e tangencial, vida – no meu recato de “estar” e de “ser” – apenas posso explicar e ecoar, discretamente, o som de outros que, como eu, e vocês, se preocuparam com estas questões e que, sobre elas, escreveram e pensaram.

Da minha vista ainda bem «curta» sobre estas coisas, posso dizer-vos abertamente que a vida, ainda que injusta, por vezes, tende a ser um quadro magnífico, e belíssimo, se encarado pela perspetiva mais bem enquadrada – ou mais certa. É como o magnífico ensinamento que nos convoca, sempre, a «dançar na chuva», reciclando, ou reaproveitando, uma circunstância difícil ou inglória e fazendo, dela, uma belíssima chance de criação magnífica e proporcionalmente bela.

Talvez o mais belo, tal como o vivemos, seja, hoje, tão menosprezado, seja tão mal-encarado como um fardo pesado, um mistério sem fim, um dom, uma tristeza deambulante, ou um meio sem princípio ou fim seguros e sem fio condutor que não seja senão intermitente; porque, apesar de estarmos todos corridos de destino e carregados de uma energia, boa ou má, e cheios de tempestades, e incógnitas sobre o nosso futuro ou de pensamento, lembremo-nos que a vida é uma breve passagem – e que a passagem é flexível e maleável às nossas próprias percepções e à forma como, pessoalmente, encaramos a própria viagem que fazemos.

A vida, em suma, é sempre uma pequena viagem pessoal que temos de fazer sozinhos – mas não é sobre a viagem da vida que vos escrevi aqui (cada um, aliás, tem a sua própria viagem a fazer, e todos somos diferentes e em alturas diferentes da nossa vida, também). É, antes, sobre como viajamos: se com excesso de bagagem, se sem. Se com medo, se sem. Se com confiança, se sem. Se com esperança, se sem. Se olhando a paisagem, e aproveitando o que o caminho nos dá, fruindo a beleza das coisas, se sem.

A vida é mais, muito mais, sobre como escolhemos viver – e se escolhemos, de facto, viver; é mais sobre as forma como estamos e encaramos a mesma. É uma escolha que tem de partir só de nós e não de mais ninguém.

A viagem poderá ser dura – por vezes turbulenta ou, quiçá, longa, demasiado alongada ou triste na demanda, ou procura, de um lugar verdadeiramente feliz. A viagem até poderá ser inglória, e, na tua cabeça, sem qualquer sentido. Nesse momento, confia no poder (e na responsabilidade que aloca uma oportunidade) que te foi dado: o poder da escolha. De escolheres, não a tua vida, mas a forma como a queres encarar.