O presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (ALRAA), Luís Garcia, convocou hoje, em Lisboa, as gerações mais jovens a defender e a perpetuar o legado conquistado no 25 de abril de 1974.
“Essa convocatória dirige-se a todos, mas sobretudo às camadas mais jovens porque ninguém defende aquilo que não conhece e, portanto, temos que lhes ensinar qual foi o significado e a importância do 25 de abril”, afirmou o presidente da Assembleia, que marcou presença esta manhã na sessão solene do 50.º aniversário do 25 de abril 1974, na Assembleia da República.
Para o presidente Luís Garcia, “a Revolução de Abril foi um momento marcante e determinante
para a vida dos portugueses porque abriu as portas do país à democracia e, nos Açores, à nossa
autonomia”, afirmou o presidente da Assembleia Legislativa, sublinhando a atualidade desse
legado “valioso que não pode de maneira nenhuma ser esquecido”.
“Nunca podemos pensar que a democracia, a liberdade e a autonomia foram dádivas. Foram conquistas que devem ser transmitidas a todos, sobretudo os mais jovens, para que percebam a importância desses valores incutindo-lhes a missão de os defender e fortalecer, afirmou o presidente da Assembleia Legislativa dos Açores, em declarações à comunicação social.
Na sessão solene, que contou com a presença das mais altas entidades do país, usaram da palavra os deputados únicos representantes de partido, os representantes dos grupos parlamentares, o presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, e o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Na ocasião, o presidente do parlamento açoriano relembrou as iniciativas que têm sido desenvolvidas pela ALRAA, no âmbito do cinquentenário do 25 de Abril, que vão ao encontro das camadas mais jovens, através da organização de tertúlias e atividades lúdico-pedagógicas que lhes permitam conhecer a realidade do país antes e depois da Revolução dos Cravos.
Alexandra Manes
Corria o ano de 2013. Portugal vivia tempos desesperantes, apertado pelo garrote da Troika e asfixiado pelos passos mais troikistas de um governo impositivo. Numa semana daquele ano, foi noticiado um alegado caso de violência doméstica, que nunca ficou bem provado ou desmentido. O jornal O Crime deu à luz uma série de acusações sobre o então primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, que ainda hoje não se sabe se foram ou não encomendadas.
Sabemos, todavia, que naquele tempo as pessoas suspiraram e não quiseram acreditar que tal pessoa fosse capaz disso. Com todos os defeitos que algumas pessoas lhe reconheciam, Passos Coelho era visto como um homem de fibra moral, e, portanto, não se colocava a hipótese de ter levantado uma mão para magoar qualquer esposa ou companheira de vida.
Passaram mais de dez anos desde o episódio caricato, que acabou esquecido pela neblina do tempo. Coelho deixou de ser primeiro-ministro, deixou os holofotes e, a certa altura, pareceu estar reformado da vida política.
Não sabemos se foi uma coincidência infeliz, ou uma propositada ação concertada. O que sabemos é que, alguns dias depois da eleição de cinquenta deputados para o partido da extrema-direita nacional, Passos Coelho voltou a público para fazer a apresentação de um livro de propaganda ideológica digno de Marcelo. Neste caso, de Marcelo Caetano, ainda que se possa inferir que Rebelo de Sousa também concorde com muito do que o tal livro afirma.
Identidade e Família é o título de uma obra que mistura comunismo, homossexualidade, interrupção voluntária da gravidez, donas de casa e muitas outras coisas que tal. É um delirante ensaio de conservadorismo, reflexo de um mundo que vive agarrado às publicações chalupas de redes sociais, promovido por algumas das mais bafientas figuras do salazarismo. Perdão. Do passismo.
Passos apresentou a obra e apareceu ombreado com André Ventura, que defendeu como sendo uma solução pragmática para o futuro da direita em Portugal. Essa postura só surpreendeu quem seletivamente decidiu esquecer que a rampa de lançamento do partido de Ventura foi precisamente Pedro Passos Coelho. Dias depois, o antigo primeiro-ministro veio criticar o seu antigo número dois, Paulo Portas, e lançar suspeitas de fraqueza para cima do governo do atual primeiro-ministro e antigo discípulo do passismo, Luís Montenegro.
Este é o mês da Liberdade. Passaram-se cinquenta anos desde a madrugada que todos esperávamos. Cinco décadas desde que Natália Correia chegou a casa naquela noite escura e recebeu uma chamada que mudou o nosso destino. A mesma Natália, que do seu Botequim ajudou o relacionamento de Sá Carneiro com Snu Abecassis, à revelia da esposa dele e dos seus amigos conservadores. Sá Carneiro, figura idolatrada pelo mesmo partido social-democrata que deu à luz o obscurantismo que Coelho agora nos vende. Que diria aquele casal, que floresceu na escuridão do bar, à revelia do tradicionalismo, ao ler a obra que Coelho promove?
Da Identidade e da Família, Coelho lançou-se ao ataque. Deu a mão à extrema-direita, mas manteve a sua postura alaranjada, para granjear os dois lados daquela maçã podre e galvanizar o país no lançamento da sua candidatura a Belém. É evidente que Coelho quer ser presidente de um país onde Ventura seja primeiro-ministro e, a julgar por sondagens recentes, onde mais de metade dos portugueses nem se importe de ficar sem eleições, desde que tenha um líder forte.
Mas voltemos ao livro e ao seu conteúdo. A defesa da chamada família tradicional por aquela obra de ideologia do género masculino, passa pelo branqueamento da narrativa e dos dados. Durante a discussão da mesma, falou-se de violência doméstica, alegando-se que a mulher que apanha e não reclama é porque gosta. Falou-se do papel da senhora, recatada e no lar, enquanto o homem pode sair para apanhar uma bebedeira, arranjar três ou quatro amantes e voltar para casa, com batom na gravata, e sem barulho da parte dela.
É essa a família que a extrema-direita, de Ventura, mas também de Passos Coelho, endeusa. É nesse agregado familiar que se reveem, como senhores de um lar onde são imperadores. Também Trump, que Ventura e Coelho adoram, está agora a ser julgado pelo horrendo episódio em que alegadamente dormiu com uma modelo da Playboy enquanto a sua atual esposa estava no hospital a dar à luz ao filho mais novo.
É esse o país que todos esses homens desejam. Com mulheres caladinhas e subservientes. Cabe a todas nós levantar a mão. Repetir a estalada na cara deles. Uma e outra vez. Até perceberem que a nossa identidade, a nossa família e a nossa alma não é deles. É nossa! E eles não passarão!
25 de abril, sempre!
Fernando Diogo
Professor e Investigador
Não de uma forma dramática, mas não deixa de estar quando muito daquilo que é a informação que os jovens recebem sobre a sociedade e a política vem de fontes não credíveis, e não da comunicação social. Isso preocupa-me muito porque tem um impacto enorme na classe profissional, na sua estabilidade, salário e naquilo que é a organização e saúde da democracia. Há diversos anos, a saúde da democracia está fragilizada pela forma como o jornalismo está a ser tratado e feito.
Gilberta Rocha
Professora e Investigadora
A liberdade de expressão está em causa em todo o lado e já não é de agora. Não a sinto propriamente na pele, porque não sou jornalista, mas sinto no tipo de notícias que se faz. Vê-se que as notícias por vezes não são totalmente verdadeiras, ou melhor, muitas vezes não vão aos assuntos que são essenciais debater.
Luisa Bairos
Documentalista de Televisão
Não em particular nos Açores. Isto é uma tendência que está em todo o mundo, e como em todo o mundo, quando há um ataque ao jornalismo, há a toda a sociedade, e, obviamente, à democracia e à liberdade de expressão. Portanto, nos Açores, quando se ataca essa fonte, está-se a atacar a democracia.
José Melo
Empresário
Se nos Açores, mesmo com pouco e fraco jornalismo que existe, está em causa, imagine-se como será, quanto mais precários forem os salários dos jornalistas e quanto mais pressão for exercida sobre eles. O jornalismo é o quarto poder. Este ataque à democracia, via jornalismo, não é de agora, agrava-se com esta situação. Basta estar atento para percebermos, quer em termos de jornalistas e de comentadores, que está tudo perfeitamente indexado a um determinado poder: o económico.
Nuno Martins Neves
Jornalista
Não considero que esteja em causa. Nunca me senti constrangido em noticiar seja o que for. Mas não podemos dizer que essa liberdade está totalmente garantida, quando há ilhas que não têm jornalistas, ou têm órgãos de comunicação com apenas um membro, que tem de fazer tudo. Em São Miguel, há concelhos em que muitas vezes se passam semanas até haver notícias deles. Obviamente que a liberdade de expressão e de informação também fica em risco porque essas pessoas não têm voz.
Júlio Tavares Oliveira
Escritor
O que é que o dia 25 de Abril de 1974 e o meu avô António Tavares têm em comum? Muito pouco, na verdade, quase nada. Na verdade, até ao 25 de Abril de 1974, nada havia de especial entre esses dois binómios – data e nome -, avô e tempo; espaço e lugar. O meu avô, em 1974, não estava em Lisboa, não era Capitão, nem derrubou – ou ajudou a derrubar o regime marcelista.
O meu avô não era, nem jamais foi, um homem revolucionário. Nem era, digo com toda a certeza, um fascista, nem era tampouco um democrata absolutamente convicto naquele tempo. O meu avô, como militar, não podia ser, senão, um simples, e humilde, militar – isso mesmo, sem outra conduta que não fosse a de cumprir ordens. O meu avô não é, nunca foi, uma peça do 25 de Abril de 1974, mas foi – sim – um combatente que procurou, na sombra dos que fugiam e se refugiavam, ou buscavam outro exílio, assumir um país em guerra consigo mesmo e absolutamente amordaçado, com um défice de gente para combater numa guerra que era de «todos» – muitos dos quais fugiam.
Em 1974, o meu avô cumpria o desígnio de cumprir – e fazer cumprir – as ordens militares, e políticas, que lhe eram dadas pelos seus superiores hierárquicos – coisa que toda a vida fez com dedicação e elevação -, tanto para sustentar a sua família, como para viver, e ter de viver, designadamente, defendendo a sua nação numa guerra totalmente «perdida», à partida, mas nunca absolutamente abandonada à sua imensa sorte pelos que a ainda combatiam do seu suor, sangue e lágrimas em África. Alguém havia de combater, ainda que perdida, a guerra; alguém havia de existir, no terreno, de arma em riste, para defender, e honrar, a Pátria despedaçada. Um deles, um dos últimos combatentes a abandonar África num avião civil, em 1975, seria o meu avô.
No dia 25 de Abril de 1974, o meu avô não teve um cravo na mão; nem andou a marchar pelas ruas de Lisboa ao som da Liberdade. Se tinha, era a distância estonteante da sua casa, dos Açores, para se mover, e vivia, à tangente, em Angola, com a sua família, nas condições possíveis à beira de uma guerra civil. Se tinha algo na mão, com certeza não era um cravo; era a espingarda apontada aos arbustos. O meu avô, contudo, nasceu a 25 de Abril de 1940.
O 25 de Abril é um dia de celebração da Liberdade: o meu avô não participou nessa conquista; mas, hoje, é parte de uma Nação livre, que ajudou a defender, no seu tempo mais negro de sempre, e que, com orgulho imenso, devemos honrar, respeitar e valorizar. O meu avô pensa como um Homem Livre. Age como um Homem Livre. E, posso dizer, ajudou-me a ser, também, um Homem de pensamento e ação Livres. Terei sempre orgulho no homem que me fez ter noção das responsabilidades mais duras. Da vida. Da importância do combate; que me educou e reeduca constantemente num sentido de pura orientação cívica e social. Um homem que – com stress pós-traumático, pesadelos imensos e traumas de guerra – conseguiu convencer o neto de que toda a guerra, tendo participado nela, é um crime contra a Humanidade.
Maria Chaves Martins
Licenciada em Direito
No dia 24 de Abril de 1974, Portugal adormeceu numa ditadura, sem saber que acordaria, a 25 de Abril, livre, sob o signo da democracia, naquela que seria uma das transformações de regime mais admiradas da história, devido à pacífica autolibertação de um povo. Fez-se uma mudança de regime político do dia para a noite, sem sangue, e com cravos.
A revolução dos cravos simboliza, na sua essência, a rejeição de um regime autoritário e fechado, substituído por um sistema político aberto, livre e integrado no mundo livre. A ordem política resultante dessa transição constitui a mais duradoura e estável de todas as experiências democráticas de Portugal.
Porém, temos o dever de retroceder na história da história e recordar que o Portugal derrotado no século XIX pelos liberais, continua a existir, à espreita para romper com a democracia. Por isso, temos o dever de proteger a democracia e aquilo que ela nos dá, fazer perdurar este ciclo democrático.
A revolução de Abril sonhou a democracia, e hoje temos democracia, sendo o expoente máximo da sua expressão a liberdade. Democracia sem igualdade e liberdade é farsa.
Hoje somos governados num sistema livre e com ganhos sociais incomparáveis com os de épocas anteriores: mais do dobro do nível de vida; metade da taxa de pobreza; esperança média de vida superior em cerca de dez anos e mortalidade infantil inferior a um décimo da que era então. Mais, as mulheres têm direitos e a imprensa é livre. O que hoje nos parece básico, nem sempre o foi. Por isso, pergunto: quem tem saudades de Salazar?
A filha pródiga de Abril, a Constituição da República Portuguesa – a mãe de todas as leis portuguesas, definiu os pilares organizacionais da sociedade portuguesa, construindo uma sociedade livre, justa e solidária, com margem para progresso e não para retrocesso. Ver o futuro, olhando o passado, para que não se repita.
Ora, volvidos 50 anos de “Abril”, nunca foi tão oportuno falar de Abril e daquilo que nos trouxe: liberdade. Em Portugal, falar “Abril” é falar livremente de liberdade. Não há liberdade na língua de Natália Correia sem Abril, e esta soube-o bem enquanto mulher e poetisa.
Aos dias de hoje temos e somos o produto de uma liberdade que nos foi dada por quem a conquistou: liberdade de escolha, movimento, pensamento e expressão.
Viver Abril é romper com a propaganda da mentira, combater a distorção da verdade enquanto padrão para imposição de uma falsa realidade, aproveitando a ignorância de um povo fragilizado, fruto da subnutrição intelectual a que foi sujeito.
A história tem-nos ensinado que os radicalismos, especialmente, de direita, chegam ao poder pela via democrática, enquanto resultado da escolha popular que foi, sucessivamente, ignorando os sinais de alerta. Uma legitimação popular do exercício «democrático autoritário» que ostraciza a liberdade e é apaixonado pela força.
Sindicar Abril é repudiar autoapregoados messias de origem divina com a única missão de defender ou salvar o que “resta” da democracia.
Não vamos reciclar falácias já experimentadas.
Sempre se dirá que as atuais convulsões sociais são produto da liberdade de Abril, pois tal só é possível devido à liberdade que nos foi dada. Não obstante, a liberdade de Abril é uma oportunidade para sermos melhores. Esta é a visão de Abril.
É obrigação honrar Abril.