É na freguesia de Ponta Delgada mais próxima da Lagoa, no Livramento, que o Diário da Lagoa (DL) foi ao encontro da história que chamou a atenção pelos testemunhos de quem frequenta as atividades que promove. No cartaz impresso na junta de freguesia podemos ler: “ginástica para grávidas e pós parto”; “ginástica localizada”; “conversas de berço” e “preparação ao nascimento”. São sessões ministradas por Corinne Joliot, que escolheu a mais jovem cidade do arquipélago dos Açores para viver, mas que só no concelho vizinho encontrou quem acreditasse no seu projeto e lhe disponibilizasse um espaço para desenvolvê-lo.
Na visita que o DL fez a uma das aulas, esteve à conversa com Catarina Pires, 32 anos, natural das Caldas da Rainha. É psicóloga clínica e reside em São Miguel desde 2015. Ao nosso jornal começa por contar que ter ido às sessões de ginástica “foi uma coincidência” que se deveu à proximidade. “De repente descobri que havia ginástica pré e pós parto e que daria imenso jeito por estar perto”, afirma, enquanto garante que gosta “por vários motivos”.
“Há uma abertura para adaptar ao contexto familiar”, realça, acrescentando o facto de ter vindo com a filha mais velha, de seis anos.
“Acabamos as duas por fazer as aulas de ginástica e torna-se um momento de mãe e filha muito agradável”, assegura.
E perante o facto de Corinne utilizar um doppler para ouvir o bater do coração do bebé, prossegue: “eu nunca tinha ido a uma aula em que pudesse ouvir o coração do meu bebé. Isso tranquiliza”.
A psicóloga explica, ainda, que como teve “uma perda gestacional, antes da atual gravidez” necessita dessa tranquilidade e lamenta que as ecografias em consultas médicas “sejam curtas e muito espaçadas”, por isso argumenta que as sessões ajudaram “imenso a gerir a ansiedade”, para além de a aproximar à filha de seis anos por esta a acompanhar nas aulas.
Perante o testemunho de Catarina Pires quisemos saber mais sobre Corinne Joliot. Nascida em 1980, é natural de Besançon, na fronteira da França com a Suíça, e com apenas 17 anos, em 1998, decidiu ingressar no programa Eurodisseia, que já na altura tinha como objetivo estabelecer o intercâmbio de jovens de diferentes regiões europeias. O que seria apenas um estágio profissional na área do Turismo em São Miguel, numa área diferente da sua de formação, revelar-se-ia na sua principal ocupação nos anos seguintes.
Ao DL, Corinne conta que se formou num liceu francês privado e artístico onde estudou piano e coreografia russa, latina e grega mas que estava aberta a novas oportunidades e queria conhecer os Açores. Ao ficar por São Miguel, diz que num dado momento, a parte artística voltou a falar mais alto e recomeçou na dança e a criar “grupos de aulas para crianças”, recorda. Por esse motivo, Corinne decide ficar definitivamente na maior ilha do arquipélago açoriano e o seu nome ia, assim, sendo associado à dança.
Nas aulas de dança que promovia, recorda que existiam grávidas e mães que a certa altura começaram a sugerir que abrisse uma vaga para uma atividade complementar. Foi aí que começou a partilhar o horário com uma professora de ginástica localizada.
“As mães ficavam mais um pouco depois da minha aula, junto com as filhas, começaram a fazer ginástica. Essa professora foi de viagem e não voltou e elas disseram-me que gostavam de continuar. Então quando fui visitar os meus pais à França, num ginásio francês certificado, tirei uma formação para dar continuidade às aulas de ginástica localizada”, explica a professora de dança.
“Fui das primeiras a fazer aulas de dança e de ballet na Lagoa. Comecei devagarinho e hoje ainda continuo a ter algumas alunas de há 15 anos. E atualmente tenho pessoas dos 18 aos 72 anos”, realça.
No entanto, revela que foi o stress do trabalho na área do turismo que a levou a um esgotamento. “Nunca pensei que ia levar tanto tempo para me recuperar. Mas veio a pandemia, o turismo parou e consegui relaxar”, recorda.
A paragem permitiu a Corinne repensar a sua vida, recuperar e voltar a estudar. “Fiz uma análise de competências e estava virada para a maternidade, o apoio às crianças. Voltei a estudar e decidi investir em cursos online mas com certificação em puericultura, coaching familiar e, também, de educação infantil”, conta Corinne ao nosso jornal. Tornou-se, assim, uma autodidata, aliou o conhecimento à experiência de vida e na forma como ajuda quem frequenta as suas sessões, afirma que “já passei por isso tudo, por isso é que consigo ajudar”.
Corine Joliot disponibiliza as sessões numa sala cedida pela junta de freguesia do Livramento, no Complexo Social Cultural. É o local onde começou a desenvolver o novo projeto, enquanto realça que o presidente da junta, Manuel António Soares, “sempre foi um grande apoio” porque “acredita neste projeto”. Porém, Corinne lamenta que apesar de já ter tido reuniões com entidades de muitos concelhos, “todos dizem que querem apoiar e pedem um orçamento, mas depois não dão resposta”, e desabafa: “eu não peço muito, sinceramente.”
Na sessão que acompanhamos, deparamo-nos com uma sala com grávidas, mães, pais, bebés e crianças. Com um sorriso, Corinne prontamente revelou que o segredo para juntar todos era o facto de estar a proporcionar um tempo para que todos possam “partilhar, libertar-nos um bocadinho do dia a dia e das preocupações” e garante que “há médicos de família que recomendam as aulas às mães, porque estas estão com algum problema físico”. E explica que “há médicos de família que seguem grávidas e aconselham a estarem num grupo com outras mães e grávidas”.
É de uma forma descontraída, enquanto ao mesmo tempo dá instruções a algumas mães e pais de forma personalizada, que revela que já foi contactada por alguns médicos de centros de saúde e que já deu a conhecer o que estava a preparar.
Sobre que género de sessões e aulas estamos a assistir, a instrutora esclarece que “este trabalho, que está a ser feito através de Puericultura, da preparação física e da ginástica localizada, faz com que depois haja uma melhoria e facilita o trabalho do médico de família.”
Quanto à sua motivação e vocação, refere que: “acho que quando chegamos a um certo ponto na vida, depois de um burnout e de algumas provas da vida, quem realmente tem empatia não consegue ver outra pessoa em dificuldades”. E conta que: “é uma satisfação tão grande quando vejo mães a conversarem e a se conhecerem e que nunca se iam conhecer em outras circunstâncias”.
Entre os homens presentes na sala, abordamos Pedro Sousa, 38 anos, que espera o seu primeiro filho. A esposa, Marina Leonardo, de 30 anos, está a apenas duas semanas para o nascimento do filho. “Sinto-me ansioso”, revela Pedro, enquanto realça que o convívio ajuda a conhecer pessoas novas e a criar amizades, a descontrair.
Já Vera Silva, 39 anos, mãe pela segunda vez, diz que “não é só ginástica, pois também tem a parte da puericultura” e dá como exemplo o facto de Corinne deslocar-se à casa das mães. “É um acompanhamento, sem dúvida. Costumo dizer que é o nosso anjo da guarda, quando precisamos e estamos com algum problema ou alguma dúvida, a Corinne está sempre lá para nos ajudar”, salienta.
Pulsena Botelho, 45 anos, conhece Corinne há 24 anos e diz que tem “um filho com 18 anos e outro com 16” e que como a instrutora também tem filhos mais velhos, “ela aconselhava-me em certas coisas que vão acontecendo, nas etapas de desenvolvimento” sendo que “a ginástica tem me ajudado imenso, o meu bem estar físico, ainda mais agora que esta é uma altura de pré-menopausa. Considero que seja uma mais-valia o exercício e tenho-me sentido muito bem”.
Entre as presentes está também uma educadora de infância, Marina Franco, 33 anos, que está com a filha de 15 dias ao colo e conta que começou “as aulas antes da bebé nascer”. Sublinha que “na altura do parto, ela também trocou imensas mensagens comigo, para me dar dicas, acompanhou-me imenso. Depois do parto, fui para casa num domingo e ela foi visitar-nos na terça-feira seguinte, o que nos ajudou também com o ambiente em casa e na parte da amamentação”. Marina acrescenta, ainda, que “não é só a parte da ginástica e da preparação, é também o durante e o após” e realça que “embora seja educadora de infância, quando somos mães é um pouco diferente”.
Sílvia Pacheco, 41 anos, natural do Livramento, diz que está nas aulas apenas para perder peso.
“Comecei aqui a minha jornada há quatro anos, depois da covid. Uma colega falou-me da Corinne. Não estava a sentir-me bem comigo mesma. Precisava de um incentivo para me sentir bem como mulher e encontrei este refúgio com muito apoio. Aqui encontrei incentivo para fazer certas coisas que eu pensava que não era capaz de fazer, depois comecei a correr. A minha auto estima aumentou imenso”.
Da Lagoa encontramos Catarina Machado, 38 anos, que dá o seu testemunho para demonstrar que os motivos para frequentarem as sessões vão mais além. Ao DL conta que procurou ajuda “numa fase pós-luto” em que atravessava uma depressão e “não saia de casa, não conseguia fazer nada, não tinha qualquer reação, não via uma luz ao fundo do túnel”. “Para mim, foi a possibilidade de me reerguer e conseguir subir o poço. Encontrei uma nova Catarina que estava dentro de mim. Consegui, pouco a pouco, construir, aquilo que tinha ficado destruído, a minha auto estima, o meu amor próprio”, diz, emocionada.
“Quando não aparecemos na ginástica e ela não sabe de nós, telefona-nos e tem o cuidado de saber o que se passa. Dá-nos um incentivo. Não foi só o facto de me ter ajudado a voltar a ser uma boa mãe. Tenho de cuidar primeiro de mim. Os meus filhos inclusive quiserem conhecê-la, falar com ela e agradecer, porque a mãe tinha voltado” e, assim, garante que “Corinne faz um trabalho personalizado onde acaba por incluir a família”.
Corinne Joliot aproxima-se e explica que o objetivo não é só a ginástica e realça a área que insiste em destacar, porque defende um acompanhamento da família desde a gestação.
“A puericultura é tratar do bebé, desde a gestação. A mãe tem de estar bem para o bebé chegar bem. Então fazemos uma preparação física, emocional e de saúde, o objetivo é prevenir. E por vezes, se necessário, alertar a mãe que deve ir a uma consulta com um especialista”, defende a instrutora.
“Tentamos sempre criar um bom ambiente para o pai, para a mãe e bebé. Os pais podem participar e é muito bom estarem aqui, pois costumam ser muito esquecidos. Mas a mentalidade está a mudar. Um pai participa do nascimento e isso é importante”, diz Corinne, sempre com o mesmo entusiasmo, enquanto gesticula.
“E nenhum atleta vai para os jogos olímpicos sem treinar. Uma mãe não pode ir para um parto sem estar preparada. O pai também é fundamental”, aponta sem hesitar.
Enquanto formadora, explica também que criou formações e sessões onde ensina tudo aquilo que o pai pode fazer durante o trabalho de parto, “porque a mãe já está a gerir muitas coisas: as dores das contrações, a emoção, o receio, muita coisa. Tem de ser uma equipa”.
“Quando nasce um bebé, nasce também uma mãe e um pai. São três papeis diferentes. É muito complexo, mas podemos simplificar ao antecipar o que é que vai acontecer para ficarem preparados. Quando acontece, já sabem que é difícil, mas que podem ultrapassar”, garante a formadora.
Quanto à puericultura e à assistência que pratica em grupo, em sala, e ao domicílio, assegura que “é algo que é reconhecido em toda a Europa. É um serviço pago pela Segurança Social na maioria dos países europeus” mas lamenta que em Portugal “não é reconhecido”.
E, para concluir, salienta que a sua inspiração resulta do reconhecimento de que “as enfermeiras que trabalham no centro de saúde fazem um trabalho excecional, mas só trabalham dentro do contexto do centro de saúde”, por isso o seu maior desejo e um dos objetivos do projeto é criar “um centro de dia para grávidas, mães e famílias, em todas as freguesias.”