André Furtado
A liturgia da palavra deste domingo (Mc 5, 21-24.35b-43) procura responder a estas questões. Convida-nos a olhar para lá do nosso horizonte, a descobrir e a redescobrir a Vida verdadeira e eterna que Deus quer oferecer a todos os seus filhos.
Na nossa vida, a debilidade manifesta-se a cada instante. Na doença, na impotência perante a violência, no medo que nos escraviza, na fragilidade que avança com a idade, na partida daqueles que mais amamos… Efetivamente, são acontecimentos que nos fazem sentir vulneráveis e frágeis. A par disso, subsiste em nós o desejo de uma vida que não seja precária – Vida verdadeira e eterna, Vida que não seja derrotada pela morte, Vida que não seja roubada por mão humana.
A palavra de Deus que escutamos garante-nos que o projeto que Deus tem para nós é um projeto de Vida. Meu irmão e irmã, defendamos a Vida, ela é, pois, um bem precioso. A vida é bela demais para estragarmos com desuniões, com o criticarmos tudo e todos exceto a nós. Recordemos esta verdade: Quem é feliz, faz felizes os outros.
Foi Deus que nos pôs a vida no peito. Ele veio até nós para nos oferecer a salvação. Com palavras e com gestos concretos, Jesus mostrou-nos o caminho que vence a morte e que leva à Vida verdadeira. Uma vida para ser vivida e não para ser um teatro.
Escreveu Anne Frank no seu diário – “… não quero viver em vão como a maioria das pessoas. Eu quero ser útil para todas as pessoas, mesmo aquelas que eu nunca conheci”. Que seja assim também connosco.
Jesus ajuda e dá Vida a quem sofre. Jesus, à filha de Jairo, não a discrimina nem ignora; acolhe-a, valoriza-a, compreende-a, respeita-a na sua dignidade, coloca-a ao nível de filha muito amada de Deus. Na Igreja de Jesus, já aprendemos isto? Valorizamos…. suficientemente o outro? Será que dou lugar ao outro para que possa também agir? A Igreja não é minha, é sim de todos nós! Aqui não há nem deve haver lugares de destaque. O único destaque é: Jesus Cristo, o alfa e omega das nossas vidas.
A ressurreição da filha de Jairo mostra a importância da fé nesse processo de aceder à Vida que Jesus oferece. É a fé que nos faz procurá-lo, é a fé que nos faz tocá-l’O, é a fé que nos faz ir atrás d’Ele, é a fé que nos faz aderir ao seu projeto, é a fé que nos faz segui-l’O no caminho do amor e da entrega da vida, é a fé que nos permite aderir incondicionalmente às suas propostas e adotar o seu estilo de vida!
Sem esta fé, podemos andar à volta d’Ele, frequentar a igreja, ter responsabilidades na comunidade cristã, rezar, receber os sacramentos, mas nunca nos deixaremos transformar por Ele; e, se assim for, nunca haverá lugar no nosso coração para a Vida que Jesus nos pretende dar.
Meus caros irmãos, levantemo-nos – «Talita kum». Como disse Ricardo Reis – “Breve o dia, breve o ano, breve tudo. Não tarda nada sermos”.
Júlio Tavares Oliveira
Escritor
Quando comecei a pensar neste artigo não queria, nem pretendia, que fosse um artigo única e exclusivamente focado num espectro religioso, independentemente da religião em causa de cada um. A verdade é que, no campo da «Fé», podemos ter dimensões diversas; vários tipos de «Fé» e, portanto, várias dimensões de crença, de Fé, de espiritualidade, seja num Deus, seja num profeta, seja num símbolo ou numa marca puramente comercial ou desportiva.
Pretendia, antes, focar-me, não no sentido religioso da «Fé», mas no sentido puramente restrito e estrito da palavra «Fé», e redimensionar este meu artigo para a orientação puramente ideológica da palavra: que sentido tem a Fé, seja ela qual for e para onde for direcionada, nas nossas vidas?
A fé é uma força. Impele quase sempre em frente; nunca vimos uma fé impelir alguém a dar um passo atrás, senão para a sua própria salvaguarda, ou prudência, ou segurança, talvez. A fé é, talvez, um instinto, um âmago de emoções, ou, diria eu, quando a nossa inteligência emocional não consegue percecionar ou capitalizar, de forma eficiente, a eternidade e torna-se incapaz de filtrar o divino, entrando no campo do puro, e insondável, mistério.
A fé não pode ser senão um mistério que nos faz mover num sentido ascendente. A fé torna-nos maiores; nascentes; e torna-nos melhores. A origem da fé somos nós mesmos, não está na origem dos símbolos, das religiões ou dos magmas em torno da qual se move e se simboliza ou idealiza. Ela nasce de dentro e de nós, e de dentro de nós se torna semente, fruto e se cristaliza.
Nas horas de maior provação, na vida ou na doença, na dor e na perdição, a fé aguenta-se como uma lamparina, um pêndulo de luz, um sorriso por dentro da noite, um sol nascente, um último andaime, que nos faz ter esperança num dia novo. Isso, precisamente, porque, essencialmente, e como disse, a fé é sempre ascendente; vem de entro, torna-nos maiores e melhores.
Ter fé é capitalizar uma dívida. É prometer que se cumpre. E, na maior parte dos casos, quem tem fé não perde o caminho da fé; apenas adianta-se cada vez mais nele, pois a sua fé só tende a aumentar com o aumento das provações que a fé acomoda e enfrenta.
A fé salva-nos. Não é mentira nenhuma; e, porquanto tenhamos ainda fé, seja no Senhor Santo Cristo dos Milagres, no Sport Lisboa e Benfica, ou no Amor, o importante é que não percamos, de facto, essa luz nas nossas vidas, e que sejamos sempre fiéis a ela, independentemente do seu vértice de importância. A fé ocupa um espaço, um espaço intransmissível e inexorável. Que reconheçamos a sua importância nos dias, na pesada herança das noites, e que possamos, enfim, acomodar-nos com a sua esperança, com a sua alegria e com a sua luz.