A questão surgiu ao partilhar o esboço inicial, uma obra assumidamente inacabada, num contexto social. Tal como um vestido em construção, as provas nunca são bonitas, são cheias de rascunhos, notas e indicações para o seu término. Mesmo assim, ousei mostrar o lado trabalhoso da produção visual: o retrato em acrílico da minha filha, iniciado há 2 anos e ainda por concluir. As impressões foram simpáticas, mas algumas parabenizaram a minha coragem em mostrar o “feio do belo”. Insisto em exibir o processo, o modus operandi.
Pintar é algo que só faço entre trabalhos de design e inúmeras outras responsabilidades. Há quem não entenda onde vou buscar o tempo! Em contrapartida, a minha paixão pela expressão visual é tão grande que muitos acham que só faço isso durante o dia. Assim o desejaria, é um facto, mas também gosto do que faço no entretanto, e esse equilíbrio é muito importante para a liberdade da minha expressão.
Partilhei, então, a segunda etapa do retrato, com um aspeto mais acabado, mas, para mim, apenas um começo. Desta vez, os gostos dispararam nas redes sociais. Tenho de referir que há algo frustrante nas redes, pois educam o internauta a adotar uma postura passiva de mero espetador e apreciador. Foram dois anos dedicados a este trabalho; todos os dias, olhei para ele com vontade de pintar; todos os dias, lhe vi defeitos e virtudes; em todos os momentos, me dediquei a ele. Organizei o meu atelier, um parco espaço anexo à casa, onde costumam pernoitar os animais domésticos, com todas as cores, pincéis e outras ferramentas necessárias, para pegar e pintar sem delongas. Como designer de comunicação formada e profissional do ensino em artes visuais, gostar ou não gostar não é o que procuro; busco promover a reflexão, tocar a alma de alguém ou deslumbrar, apenas.
Confesso que é entre o forte apoio dos mais próximos que me sinto realizada. Deixar de criar é-me impossível, pois nasci assim. É, portanto, impreterível que o faça! A minha produção interfere, sim, na minha vida quotidiana, enriquecendo-a. É um tempo para mim como outro qualquer, e eu desejaria que fosse cada vez mais um tempo para nós, a família, mas cada um tem o seu talento, virtude ou interesses, e, nesta casa, esses desejos respeitam-se.
É, então, que a pergunta surge: De que forma ser mãe influencia a minha produção artística, em particular, nos trabalhos de retrato? O desafio foi lançado, e as respostas foram comoventes. Mas, antes, gostaria que soubessem que ser mãe e artista visual são papéis que, à primeira vista, podem parecer distantes, mas que, para muitas mulheres, essas identidades entrelaçam-se de maneiras profundas e inesperadas. Como mãe de dois filhos pequenos e artista visual, tenho explorado essa interação fascinante entre maternidade e criatividade.
Hoje, gostaria de partilhar algumas reflexões sobre como ser mãe influencia a minha produção artística, especialmente quando se trata de criar retratos. Por seu lado, a maternidade é um percurso de descobertas constantes, desafios e amor incondicional. Por outro lado, transforma-nos de maneiras que nunca imaginamos, moldando não apenas quem somos como pessoas, mas também as nossas percepções e sensibilidades enquanto artistas. Quando olho para os meus filhos, vejo além das feições físicas; vejo as suas personalidades únicas, as suas alegrias, as suas tristezas, as suas esperanças. Essa profunda conexão emocional reflete-se em cada pincelada, em cada traço nos meus retratos. É uma criação da criação. Criar arte como mãe não se trata apenas de encontrar tempo entre fraldas e biberões, conduzir os filhos às atividades — escrevo este texto enquanto aguardo pela filha, no carro —, preparar lancheiras, auxiliar na educação, etc. É uma questão de integrar a maternidade à própria essência da arte. Os meus filhos não são uma distração da minha arte; são a minha inspiração. Eles ensinam-me a ver o mundo com novos olhos, a apreciar as pequenas grandes coisas, a encontrar beleza na imperfeição. Admito que também são críticos construtivos. Quando me sento diante do cavalete ou de um papel em branco, não estou apenas a pintar um retrato; estou a capturar momentos preciosos, a eternizar memórias, a deixar um legado para as gerações futuras e a dar um exemplo. O retrato tem um lugar especial no coração de uma mãe artista. É mais do que uma simples representação visual; é uma expressão tangível do amor incondicional que sentimos pelos nossos filhos. Cada pincelada é um ato de devoção, um tributo ao vínculo incomparável entre mãe e filho. Ao criar retratos, não estou apenas a documentar a aparência física dos meus filhos; estou a celebrar a sua essência, a sua alma, a sua humanidade.
Em suma, ser mãe influencia profundamente a minha produção artística, especialmente o retrato. A maternidade inspira-me, desafia-me, transforma-me. Ela permeia cada aspeto da minha arte, infundindo-a com amor, significado e autenticidade. Ah e obriga-me a simplificar e a resolver o desenho, bem mais depressa pois, não tenho muito tempo. Tornei-me melhor a resolver problemas gráficos! Porque será?
Como mãe e artista, sou grata pela oportunidade de partilhar a minha visão única do mundo com os outros. Desejo tocar corações, inspirar sonhos e celebrar a beleza da maternidade em todas as suas formas. E sim, ser mãe artista é possível. Acreditar é um passo à frente, uma conquista. Não estou sozinha; testemunhos de mulheres, artistas e mães, bem como de outras empreendedoras manifestaram-se sobre esta questão. “Ser mãe artista apura ainda mais a sensibilidade”; “Ser mãe influencia tudo o que fazemos… a mim dói-me sempre não retratar os meus o suficiente. Sinto que nunca vou fazer jus à sua beleza inocente nem ao que sinto por eles. Mas, ao mesmo tempo, sinto obrigação em fazê-lo”; “Ser mãe artista influencia as nossas criações e muito, sempre com vista a passar alguma mensagem e, depois, claro… os nossos filhos são sempre um ótimo assunto para registar”; “Ser mãe influencia a nossa forma de olhar […] o retrato de um filho pode transmitir grandeza e alegria… acolhimento… o colo da mãe, um porto seguro, o amor pelo teu filho manifesta-se de modo belo… incomparável e original”. Talvez o mercado da arte se tenha virado para outras direções menos significantes quanto esta. Talvez esta voz tenha sido relegada para uma arte menor como se tal pudesse ser qualificado. Só sei que uma exposição sobre este tema daria aos apreciadores de arte, talvez, uma novidade além de manifestações ininteligíveis ao observador comum pois, a expressão deste sentimento, mãe artista e a maternidade, dariam corredores e corredores de humanidade aos espaços das galerias. Não tenho visto fazer a nível nacional, contudo há evidências de sucesso, a nível internacional. Há muitas mulheres, mães e artistas cujas carreiras foram alavancadas por esta experiência da maternidade. Certo é que “Roma e Pavia não se fizeram num dia”, não é aqui e agora, que fazemos acontecer… e nunca, nunca, deixar de criar. Defendo a abordagem holística e a suprema organização para que, passo a passo, se consiga o desejado. Há muitas comunidades de apoio: Artist Mother Podcast; The Artist Residency in Motherhood e nomes sonantes como o de Yoko Ono. É procurar, não estamos sozinhas.