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O que é que o 25 de Abril de 1974 e o meu avô têm em comum?

Júlio Tavares Oliveira
Escritor

O que é que o dia 25 de Abril de 1974 e o meu avô António Tavares têm em comum? Muito pouco, na verdade, quase nada. Na verdade, até ao 25 de Abril de 1974, nada havia de especial entre esses dois binómios – data e nome -, avô e tempo; espaço e lugar. O meu avô, em 1974, não estava em Lisboa, não era Capitão, nem derrubou – ou ajudou a derrubar o regime marcelista.

O meu avô não era, nem jamais foi, um homem revolucionário. Nem era, digo com toda a certeza, um fascista, nem era tampouco um democrata absolutamente convicto naquele tempo. O meu avô, como militar, não podia ser, senão, um simples, e humilde, militar – isso mesmo, sem outra conduta que não fosse a de cumprir ordens. O meu avô não é, nunca foi, uma peça do 25 de Abril de 1974, mas foi – sim – um combatente que procurou, na sombra dos que fugiam e se refugiavam, ou buscavam outro exílio, assumir um país em guerra consigo mesmo e absolutamente amordaçado, com um défice de gente para combater numa guerra que era de «todos» – muitos dos quais fugiam.

Em 1974, o meu avô cumpria o desígnio de cumprir – e fazer cumprir – as ordens militares, e políticas, que lhe eram dadas pelos seus superiores hierárquicos – coisa que toda a vida fez com dedicação e elevação -, tanto para sustentar a sua família, como para viver, e ter de viver, designadamente, defendendo a sua nação numa guerra totalmente «perdida», à partida, mas nunca absolutamente abandonada à sua imensa sorte pelos que a ainda combatiam do seu suor, sangue e lágrimas em África. Alguém havia de combater, ainda que perdida, a guerra; alguém havia de existir, no terreno, de arma em riste, para defender, e honrar, a Pátria despedaçada. Um deles, um dos últimos combatentes a abandonar África num avião civil, em 1975, seria o meu avô.

No dia 25 de Abril de 1974, o meu avô não teve um cravo na mão; nem andou a marchar pelas ruas de Lisboa ao som da Liberdade. Se tinha, era a distância estonteante da sua casa, dos Açores, para se mover, e vivia, à tangente, em Angola, com a sua família, nas condições possíveis à beira de uma guerra civil. Se tinha algo na mão, com certeza não era um cravo; era a espingarda apontada aos arbustos. O meu avô, contudo, nasceu a 25 de Abril de 1940.

O 25 de Abril é um dia de celebração da Liberdade: o meu avô não participou nessa conquista; mas, hoje, é parte de uma Nação livre, que ajudou a defender, no seu tempo mais negro de sempre, e que, com orgulho imenso, devemos honrar, respeitar e valorizar. O meu avô pensa como um Homem Livre. Age como um Homem Livre. E, posso dizer, ajudou-me a ser, também, um Homem de pensamento e ação Livres. Terei sempre orgulho no homem que me fez ter noção das responsabilidades mais duras. Da vida. Da importância do combate; que me educou e reeduca constantemente num sentido de pura orientação cívica e social. Um homem que – com stress pós-traumático, pesadelos imensos e traumas de guerra – conseguiu convencer o neto de que toda a guerra, tendo participado nela, é um crime contra a Humanidade.