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Emigrante lagoense gasta mais de dez mil dólares em prendas para crianças do concelho

Iniciativa decorreu no salão paroquial de Santa Cruz. José António Silva quer dar às crianças os mimos que não teve possibilidades de ter na sua infância de pobreza

José António tem 66 anos e trouxe cerca de 300 prendas para São Miguel © DL

Desde 2016, o Pai Natal do Canadá é presença assídua na Lagoa. Chama-se José António Silva e já é tradição vir da cidade de Kingston, em Ontário, para se vestir de pai Natal e distribuir prendas pelas crianças do concelho onde nasceu.

Nesta viagem anual vem com a companheira Jodie, que também se traja de mãe Natal. José António, conhecido por Joe em virtude dos 44 anos que está emigrado, não traz um saco cheio de lindas prendinhas. Traz antes três malas de viagem bem recheadas. Cada prenda é comprada pelo casal: aquelas que são para meninas ficam a cargo de Jodie e as para meninos são escolhidas por Joe.

Quando começou esta iniciativa em 2016, fazia 38 anos que não pisava a terra que o viu nascer. “Quis fazer isso cá porque é a minha terra natal. Quando saí da tropa aos 22 anos fui direto para o Canadá e nunca mais voltei”, revela o emigrante.

“Sabia que havia muita pobreza no bairro de pescadores, por isso distribuí presentes lá. Estava a pensar repetir no ano seguinte em Rabo de Peixe, porque é uma vila muito grande e também pobre, mas uma senhora viu-me e sugeriu que eu fizesse em Santa Cruz. Eu disse que se me convidassem eu ia. Então o presidente da junta ligou-me e fui. Agora continuamos a fazer”, explica.

No salão paroquial da Igreja Matriz, as crianças faziam fila para receber o seu presente vindo diretamente do Canadá. “Eu nem pegava nos presentes para lhes dar, eu dizia para tirarem. Depois, se eles não gostassem, a culpa não era minha”, relata Joe, rindo.

No entanto, este Pai Natal acredita que as crianças apreciaram o que lhes coube. “Eu ouvi uma menina a gritar e até pensei que ela tinha caído. Afinal era de alegria quando abriu o embrulho e viu que era um ursinho de peluche. Por isso acho que gostaram e tenho recebido mensagens a agradecer”, assegura.

Apesar da afluência, o lagoense esperava mais gente. “Queria que tivessem estado mais crianças em Santa Cruz, porque trouxemos bastantes presentes. Nós não viemos com dez ou 15 pacotes… Viemos com 300. E ainda oferecemos candies a cada um”, conta o homem de 66 anos.

Jodie é a companheira de José e também se traja de mãe Natal © DL

Este é um projeto que Joe e Jodie levam a cabo por conta própria, sempre sem pedir nada em troca. “São presentes de 30 dólares. Paguei para cima de dez mil dólares para os comprar e trazer para cá. Não é nada barato, mas faço porque quero e não estou arrependido”, manifesta o emigrante.

Uma infância de pobreza e uma adolescência de trabalho no mar e em terra

Apesar de ser algo que envolve muito dinheiro, José António fá-lo com gosto, recordando o tempo em que, em criança, não tinha possibilidade de ter presentes. “Éramos nove filhos e passávamos fome… Eu cheguei a roubar para matar a fome. A minha mãe chorava porque nós não tínhamos nada. No Natal rezávamos de joelhos em frente à chaminé para ter um presente. O meu tio mais novo que vivia connosco é que dava uma corneta a cada um. Então lembro-me que as crianças sempre gostam de um mimo”.

Quando começou a trabalhar, como mergulhador e carpinteiro, a vida começou a compor-se. Com outras posses já podia proporcionar um Natal diferente aos irmãos. “Eu quando estava cá levava o ano a comprar presentes para a minha família. Quando chegava ao Natal estava um monte de presentes debaixo da árvore. E era tudo eu que dava”, lembra o lagoense.

Sempre gostou de dar e de ajudar. “Quando era carpinteiro criei uma empresa que se chamava ‘companhia dos reformados’, porque eu pegava nos homens velhotes a quem já ninguém queria dar trabalho”, refere, acrescentando que não era um trabalho de que precisasse porque “com o peixe que apanhava conseguia dinheiro para a semana toda. Mergulhava todos os dias das 6h às 10h”.

Emigrar para o Canadá: gerir uma empresa em seis meses e puxar a família para o país em três anos

Entretanto, na altura, uns primos emigraram para o Canadá e Joe acabou por ir depois também. Quando chegou ao outro lado do Atlântico recebeu a alcunha de “sabe tudo” por saber fazer tudo o que lhe pediam no trabalho de construção e em seis meses começou a gerir a empresa inglesa que o contratou.

Durante os primeiros três anos a viver no Canadá conseguiu que toda a família emigrasse para lá. “Mas isso é para quem tem gosto, que eu vi muitos emigrantes no Canadá, com a família nos Açores, a implorar para os mandarem para lá e eles não conseguiam. São cinco mil dólares para fazer uma carta de chamada e eles podem aceitar ou não. E as pessoas têm medo de investir porque é muito dinheiro. Mas eu investi e puxei a minha família. Estão todos casados e já têm filhos”, expõe.

Com uma vida muito mais estável do que a que levava em São Miguel, abriu uma empresa de construção por conta própria, onde trabalhou até se reformar. “E quando me reformei abri com a Jodie outra empresa, a Amour Bath Bombs, de cremes para senhora. E temos tido muito sucesso nisso”, menciona José António.

Emigrante gostava de fazer investimentos nos Açores, mas burocracia desanima-o

Empreendedor como é, negócios na ilha não estão fora dos planos, até porque muitas vezes se recorda da sua infância na Lagoa como momentos passados na Poça da Ralhoa, na Baía de Santa Cruz, ao lado da casa que era dos seus pais e onde ainda fica quando vem de visita.

Tem vontade de investir nos Açores, porém a burocracia excessiva desanima-o. “Eu tenho boas ideias, mas eu comparo Portugal ao Canadá e é tudo muito diferente… Onde é que já se constou ser preciso autorização até para mudar as telhas da minha casa?”, interroga.

Abrir lojas de vestidos de noiva em vários concelhos é um dos muitos projetos que idealizou. “Eu trouxe 78 vestidos, mas não consigo avançar. Vestidos que comprei a 20 mil dólares para vender cá por mil, mas não dá. Por isso eu estou esmorecido…”, confessa Joe.

Habilitado a ministrar cursos de mergulho, abrir um negócio do ramo na ilha também era um sonho do empresário. “Tenho o material todo para dar as aulas cá: uns dez fatos e umas 20 garrafas de mergulho. Mas se para mudar as telhas da casa demorou a ter autorizações, para abrir um negócio pior. No Canadá não precisamos de nada disso e é um país mais evoluído. Vocês chamam isso democracia? Isso para mim mais parece comunismo”, conclui, acrescentando que “aqui ainda há muita coisa por mudar e por fazer. Gostava de investir cá, mas devido às regras não consigo”.

José António planeia começar a passar o verão no Canadá e o inverno em São Miguel, onde não neva. Por enquanto, aproveita dezembro e janeiro para passar férias na Lagoa, na casa que ajudou a construir na adolescência.

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