E se os Açores fossem Património das Baleias?

Licenciada em Direito
O programa Whale Heritage Site — “Sítio Património dos Cetáceos”, perdoem-me a tradução livre — é uma iniciativa da Aliança Mundial de Cetáceos que pretende certificar os lugares que reconhecem a importância das baleias, golfinhos, orcas (dos cetáceos) e dos seus habitats. Tendo já obtido este selo a ilha Gomera, do arquipélago das Canárias.
Os locais são classificados por aquela entidade devido ao espírito protecionista das comunidades locais na defesa dos cetáceos e do Oceano, que vivem em comunhão com os animais aquáticos, apoiando a sustentabilidade económica e ambiental, através da literacia oceânica, manifestações culturais e participação dos cidadãos nas decisões das políticas públicas azuis, por exemplo.
Os sítios património dos cetáceos são compostos por áreas marinhas, frequentemente visitadas por estes. E, devido às suas visitas, as comunidades costeiras possuem uma forte conexão com aqueles, construindo a sua identidade cultural.
Apesar do merecido respeito pela sua dignidade enquanto espécie animal, outro aspeto ponderado na classificação de sítio património dos cetáceos é a importância cultural destes animais nas comunidades, conforme acontece nos Açores.
É transversal a todas as ilhas dos Açores o registo das «touradas do mar», ou seja, do período em que ocorria a caça à baleia em modo artesanal – prática proibida com a assinatura da Convenção sobre a Vida Selvagem e os Habitats Naturais na Europa, em meados de 1979, e, posteriormente, através da Moratória da Comissão Baleeira Internacional. Esses instrumentos internacionais ditaram o fim da atividade nos Açores, tendo sido caçado em 1987 o último cachalote nos Açores, na ilha do Pico.
O fim da caça à baleia impulsionou a reconversão do sector e, por exemplo, os botes baleeiros foram recuperados, sendo usados em regatas, os postos de vigia são utilizados para auxiliar as atividades marítimo-turísticas na observação de cetáceos, e a antiga fábrica da baleia, na ilha do Pico, é, hoje, o Museu da Indústria Baleeira. Sem prejuízo, por exemplo, dos monumentos históricos com referência à atividade baleeira nas freguesias das Capelas e de São Vicente Ferreira, que, inclusive, possui a Festa do Baleeiro em memória das atividades baleeiras que ali eram realizadas.
Por isso, em 2017, o Governo Regional anunciou o apoio à candidatura da «Cultura da Baleia» a património da UNESCO.
A importância cultural dos cetáceos nos Açores resulta, também, das características naturais do «Mar dos Açores», isto é, da existência de grandes profundidades junto às orlas costeiras, facilitando a ocorrência de visitas de espécies de cetáceos.
Pelo que, os Açores são um ex-líbris mundial para observação de cetáceos, sendo uma experiência obrigatória para quem nos visita, com impacto na economia regional.
Mas para manter esse privilégio, precisamos aumentar as Áreas Marinhas Protegidas do «Mar dos Açores», não só para proteger o nosso património natural, como também para garantir o cumprimento dos objetivos assumidos na 2.ª Conferência dos Oceanos da Organização das Nações Unidas.
Em suma, creio que os Açores cumprem os requisitos para a sua candidatura — já submetida, ser aceite e merecerem a classificação de Local Património das Baleias, mas há trabalho a ser feito.
Uma breve nota à 2.ª edição do International OCEAN FILM TOUR, que teve lugar no mês de outubro, no Teatro Micaelense, e voltou a deslumbrar-nos com as fascinantes imagens do Oceano.
Artigo de opinião publicado na edição impressa de novembro de 2022