É preciso não esquecer

Enfermeiro
Hoje assinala-se o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto e esta data, mais do que nunca, não pode passar-nos despercebida.
A memória histórica da nossa hora mais negra não pode deixar de ser assinalada, e dela não podem deixar de ser retiradas as necessárias ilações para que se perceba, em definitivo, os perigos da intolerância, do discurso de ódio, da propaganda e dos nacionalismos.
O Holocausto foi, sem dúvida, um acontecimento central ao nosso entendimento da civilização ocidental, do estado-nação e da natureza humana, tendo-se traduzido no assassínio em massa, premeditado, de milhões de pessoas inocentes, sob a égide de uma ideologia racista que considerava os judeus, e várias minorias, “vermes parasitas”.

Estima-se que dois em cada três judeus que viviam na Europa antes da Segunda Grande Guerra Mundial foram mortos durante o Holocausto. Quando a Segunda Guerra Mundial terminou, em 1945, mais de seis milhões de judeus europeus haviam perecido, entre estes mais de um milhão de crianças.
Olhar para o Holocausto, assim como para o presente perturbador que se nos apresenta com o avanço da extrema-direita, em Portugal e na Europa, não pode circunscrever-se ao choque da brutalidade dos números, é necessário levar em consideração, e compreender, a ideologia que esteve na origem do genocídio, a ideologia racial e a ideia patológica de supremacia de uns, em relação a outros, conceitos que, com roupagem mais cuidada, são novamente introduzidos no discurso corrente. Estas dimensões explicam, ainda que apenas em parte, o compromisso incansável de aniquilação total de minorias, mas também de todos aqueles que não se alinhavam com a sua ideologia.
Tal como naquela altura, hoje também, pela mão da extrema-direita (organizada por meio de estruturas partidárias ou grupos implantados na sociedade), se parte do perigoso princípio que as características, as atitudes, as habilidades e o comportamento das pessoas são determinadas pelas suas origens raciais/culturais, sociais ou, tão simplesmente, pelas características que lhe conferem unicidade. É disto exemplo o discurso racista, xenófobo, misógino e homofóbico da extrema-direita portuguesa, projetado pelo seu líder, e que radica no darwinismo social, por meio do qual se criaram estereótipos, positivos e negativos, sobre a aparência, o comportamento e a cultura de diferentes grupos étnicos e de indivíduos. Neste discurso ideológico, o valor fundamental de um ser humano não está na sua individualidade, mas sim no grupo social, cultural ou racial do qual faz parte.

Muitos disseram, não sei se por convicção, se apenas por lhes conferir conforto (ainda que efémero, como bem se vê), que a extrema-direita em Portugal era uma coisa impensável, que era uma não questão, uma preocupação excessiva num País com uma cultura democrática madura e consolidada, apesar de recente.
A realidade, porém, parece tomar contornos substancialmente diferentes. O discurso de ódio e de intolerância do líder da extrema-direita portuguesa normaliza-se, de tal modo que as fileiras de seguidores parecem querer engrossar, funcionando como caixa de ressonância de uma mensagem pérfida que, lentamente, vai corroendo os valores que sustentam a nossa democracia. O filtro que a sociedade impunha a estas pessoas parece ter-se dissipado, sentem-se agora legitimadas, lideradas, detentoras de um propósito, e, claramente, livres para ampliar a mensagem de intolerância e ódio.
Até onde deverá ir o limite de tolerância da democracia para com aqueles que contra ela atentam? Esta é a questão que deve ser colocada.

O descontentamento, o desânimo, a descrença que eventualmente possa existir entre alguns relativamente àquilo que é o desígnio e o funcionamento das instituições que suportam o Estado de direito democrático, não pode toldar a visão do todo, do coletivo, e do continuo esforço de construção de uma sociedade cada vez mais igual e tolerante. Não nos podemos deixar atemorizar por fantasmas que apenas existem no discurso e no projeto de poder de um grupo de pessoas que representa o pior de nós, que sabe, porque outros antes já o fizerem, que incutir o medo nas pessoas é a forma mais fácil de as fazer abrir mão de direitos, liberdades e garantias.
A história já nos mostrou, por mais vezes do que seria necessário, aquilo que a intolerância e o ódio encerram. Do Holocausto extrai-se que não existem limites à barbárie humana visando a própria espécie, os seus semelhantes. É, assim, tempo de parar e perceber para onde estamos a caminhar. É tempo de não aceitar o discurso de intolerância e de ódio. É tempo de dizer que para trás nunca mais!
A História havia de ensinar, mas nem sempre assim é. Os sinais do tempo presente, não deixam margem para dúvidas.