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Carta a Mim

Matilde Sabino de Sousa
Psicóloga Clínica e da Saúde

Olá a mim. Escrevo- te numa tarde de Setembro, o sol está a por- se, e sinto-me encorajado a dizer algumas coisas importantes. Já tinha saudades de estar comigo. Há muito que não falava comigo! Pois sabes como sou, nunca paro. Esta vida corrida, de trabalho, filhos, compras, tratar da casa, fazer comida, tratar de roupas, educar, organizar a vida e ainda ter tempo para um ou outro amigo. Nunca tenho tempo para mim, sabes como é… e sinto saudades de estar comigo, sozinho.

Acho que às vezes preciso de olhar para dentro de mim e escrever-me, sinto que depois de tudo venho eu, ou seja, fico sempre para último… E isso cansa. Perco-me a certa altura, fico desorientado. Sabes, acho que quem está perdido tem dificuldade em acalmar- se e pensar com clareza. Tenho saudades de viver devagar… sim devagar! Sem pressas, comer devagar em boa companhia, ir até ao mar e respirar fundo, brincar com os meus filhos estando mesmo lá e não com a cabeça noutro lugar… tenho muitas saudades de rir, de dar uma boa gargalhada com um bom amigo, parece tonto, mas é verdade!!! Uma boa gargalhada, vinda de dentro consola a alma! Fazer a minha vida com todos os meus compromissos diários, com calma, ao ritmo do relógio e não contra o sentido dele… Preciso de uma noite como as que tinha em criança, em que me deitava e, por cima de mim só as estrelas e os sonhos maravilhosos e despreocupados… e o acordar cheio de alegria e esperança e, um campo de flores para correr sem parar! Até do vento na cara tenho saudades, vê lá… o vento norte frio e seco, que parecia trazer sempre boas novas, eu acho que quem vive devagar adora sentir essa brisa na face, tal como de mergulhar num mar límpido e cristalino que lava até a alma! Tenho saudades minhas… de quando vivia tudo isso. Eram presentes de cada dia, com alegria, e os reconhecia. Hoje nem me lembro de parar para viver tudo isso de novo. É que sabes, os tempos que vivemos são de grande superficialidade. O que conta é o dinheiro, o Ego, as aparências, o que uns dizem dos outros, a guerra é maior que a Paz, há crianças e idosos abandonados, com fome ou vendidos… já tinhas imaginado, vender pessoas como se fossem uma mercadoria qualquer! Os corações estão envenenados e com medo, e o meu não é exceção! Lembro-me dos serões em família onde a conversa era a TV de hoje… eu já conversei ao serão, mas hoje parece que me esqueci de como se faz! Hoje a família são telemóveis, TV e internet, cada um dos elementos da família desapareceu. Tenho saudades nossas. Eu e os meus, juntos e em sintonia. Tenho saudades de abraços ou de um olhar profundo cheio de amor.

A carta já vai longa. Não sei quando me voltarei a escrever. Mas sinto-me bem por tê-lo feito. Realmente é bom falar comigo, para dentro. Ouvir o coração e relembrar, perceber o que estou a fazer de errado e no que devo mudar. Perceber e ser agradecido pelas coisas boas que tenho.

Acho que me vou escrever mais vezes, tirar tempo para estar sozinho comigo. Foi tão bom que acho que senti aquela brisa de Norte, fresca de final de tarde. E fez- me tão bem. Estou aqui inteiro e sim, ainda cheio de sonhos e vontade de mudar o Mundo.

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