Log in

Até às praias de Água d´Alto

© D.R.

1- Para encerrar esta série de descrições geológicas sobre o concelho da Lagoa, é útil avançarmos para a faixa oriental do território costeiro. No último texto ficámos no porto da Caloura onde existe um paredão rochoso, acinzentado, duma rocha vulcânica, rica em sílica, denominada traquito. O traquito ali existente corresponde a uma extensa, espessa e viscosa escoada de lava  que se gerou  na vertente sudoeste da Serra de Água de Pau e prosseguiu em direcção ao oceano. Há amostras rochosas que permitem atribuir-lhe uma idade na ordem dos 60 a 65 mil anos. 

2 – Após o traquito do porto de Caloura, em direcção a nascente, numa baía bem reentrante, existe uma curiosidade geológica, ou seja, a zona costeira está pejada de filões verticais de traquitos e de basaltos, muito paralelos uns com os outros, desenhando uma paisagem invulgar e bela. Essas excepções da Natureza permitem que ali se mantenha um habitat submarino favorável ao desenvolvimento de ovos de peixes e de crustáceos. As algas verdes, comestíveis, recheiam todo o ambiente. Enfim, um recanto a visitar e a proteger.

Por terra chegasse ao local por uma estradinha do início da curva do Pisão. Na propriedade  existe uma velha casa onde instalei 2 técnicos da geotermia durante 2 anos. Deliciaram-se, especialmente com a ribeirinha permanente que torna a zona bucólica e atraente.

3 – Continuando-se para nascente, entra-se numa zona de pontas rochosas, com bons pesqueiros. Do lado de terra ficam altos taludes de pedra-pomes amarelada que alternam  com formações geológicas acastanhadas – os paleossolos. Estes são terra arável, onde se fixaram plantas e que correspondem a períodos de repouso vulcânico. Os paleossolos contêm restos de plantas incarbonizadas pela pedra-pomes que lhe é superior. Desse modo, através de técnicas de radiocarbono-14, consegue-se datar as idades das erupções, a sua cadência ao longo do tempo e iniciar estudos de previsibilidade vulcânica.

4 – Nessa zona ainda se situa uma particularidade no troço norte , onde há poucos anos se construiu um merendário, ou seja, nos vales de antigas ribeiras aflora uma rocha vulcânica denominada ignimbrito; os canteiros antigos tiveram a sabedoria de a distinguir de outras e chamaram-lhe “pedra da Vila Franca” ou, simplesmente, “pedra-da-vila “. 

Trata-se de uma rocha macia, portanto fácil de trabalhar. Não é densa e “bruta” como o basalto nem se esfarela como o traquito. Cientificamente é uma rocha que se situa entre as lavas e os piroclastos (como os cascalhos ou bagacinas). Tem aspecto de um tufo mas o que mais evidencia é a presença de vidros vulcânicos com a forma de “olhos chineses”, estirados no sentido do fluxo de escoamento. Essas estruturas de fluxo dão a essa rocha um aspecto de brecha onde o corte e o gosto do canteiro são essenciais. 

Ignimbrito com fiamme vítreos anegrados, figuras de fluxo descendente. No hall de entrada do Lar Luís Soares de Sousa © LUÍS MIGUEL ALMEIDA/ OVGA

As casas ricas de São Miguel e as igrejas principais utilizaram pedra-da-vila para o seu embelezamento quer exterior quer interior. A pedra era arrancada nas encostas da Lagoa, de Água d’Alto e de Vila Franca do Campo, em grandes blocos, escolhidos a preceito, transportada em carros de bois e aparelhada no local da obra (fachadas, escadarias, janelas, chaminés de estilo, fornos, etc). A igreja Matriz de Vila Franca é um dos belos exemplos de arquitectura em ignimbrito. Na igreja , do lado sul, a marca de uma bomba esférica do bombardeamento francês na batalha naval da Vila Franca, há 300 anos, demonstra a “doçura” e maleabilidade do ignimbrito.

5 – Prosseguindo para leste, alcança-se um areal diferente dos anteriores, ou seja, o areal pequeno de Água d’Alto. O elemento arenoso é de pequenos grãos de pedra-pomes, amarelada , misturada com veios de areia do tipo basáltico, gomosas. O areal amarelado  é bem diferente do areal da Caloura, este bem anegrado e de grãos mais grosseiros.

6 – Após a praia pequena, ultrapassado um promontório de traquito alterado, surge a praia grande de Água d’ Alto, bem constituída após a primavera e bem erodida nos fins do outono. É uma praia de fortes correntes em Agosto (as “lavadias de Agosto”) e de talude abrupto após a cota -3m. Por isso é uma praia de cautelas. Mas é uma praia microclimática nos meses mais quentes e mais frios. A pedra-pomes rolada, de diversos tamanhos, é muito procurada como material desgastante em tratamentos de pés (calos). Há muitos anos a areia era usada nas limpezas de cozinha, sendo ensacada e vendida. Os detergentes acabaram com o negócio.

Foi da praia de Água d’ Alto que fui buscar algumas toneladas de areia pomítica para executar as estacas de areia das fundações (que lá estão) do hotel Lagoa das Furnas, do Dr. Augusto Athayde, à beira da lagoa, em 1973/74. A revolução de Abril determinou a falência do investimento, uma notável obra de engenharia da empresa Teixeira Duarte.

7 – A praia de Água d’Alto, a nascente , termina num volumoso depósito sedimentar, muito heterogéneo (desde argilas a enormes blocos de traquitos). Tal formação geológica corresponde ao transporte de chuvas diluvianas, desde há cerca de 4 mil anos.

Ali se localiza o denominado hotel dos franceses, presentemente integrado na rede de hotéis Pestana. Depois da ribeira entra-se numa complexa área geológica onde se realça a existência de numerosas saídas gasosas. É estonteante nadar nessas desgasificações. E em dias de “mar como mel” o borbulhar do oceano costeiro é um espectáculo quase transcendente.

avatar-custom

Victor Hugo ForjazProfessor Catedrático de Vulcanologia

Os leitores são a força do nosso jornal

Subscreva, participe e apoie o Diário da Lagoa. Ao valorizar o nosso trabalho está a ajudar-nos a marcar a diferença, através do jornalismo de proximidade. Assim levamos até si as notícias que contam.

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

CAPTCHA ImageAlterar Imagem