O caminho até à sala onde tudo acontece é longo. Até lá chegar, são vários os edifícios velhos que encerram as marcas do tempo e estão fechados. A Fábrica do Álcool da Lagoa, fundada em 1882, deixou de produzir álcool em 1996. Desde então armazena melaço, utilizado apenas na produção de rações, mas as instalações da fábrica lagoense são atualmente o principal pólo de engarrafamento e embalamento de álcool nos Açores. “Esta sala foi montada por mim em 1993”, conta orgulhoso José Borges, antigo funcionário da Fábrica do Álcool, onde trabalhou 50 anos. “Nasci aqui, vim para aqui com 15 anos e só saí em 2015”, garante. Por estes dias, José Borges é presença assídua na fábrica. Conhece como ninguém a máquina responsável pelo enchimento de 10 mil garrafas por dia. “Às vezes consigo resolver algum problema que surja pelo telemóvel porque sei onde estão os pontos fortes e os pontos fracos da máquina, mas por vezes tenho de vir cá”, explica. O corropio entre os funcionários, oito no total, é grande, numa altura em que a procura é ainda maior em plena pandemia. “Nesta altura do surto da Covid-19 temos sido o centro das atenções aqui na ilha e no arquipélago em geral”, sublinha Marco Rodrigues, funcionário da Fábrica do Álcool há 5 anos. Os últimos dois meses têm sido “muito atarefados” e, muitas vezes, o trabalho estende-se até à meia-noite e uma da manhã.
Na Fábrica do Álcool da Lagoa, propriedade da Sinaga, faz-se o enchimento e embalamento de garrafas de álcool puro, sanitário e álcool gel, cuja matéria prima é importada do mercado nacional e europeu. As garrafas são feitas nas instalações de Ponta Delgada mas é do concelho vizinho que saem com o produto final que chega aos consumidores.
Desde o início da pandemia, da Lagoa para todo o arquipélago já saíram cerca de 100 mil litros de álcool. A Covid-19 veio disparar as vendas e a procura “aumentou uns mil por cento porque com esta crise os fabricantes de álcool não conseguem dar conta do recado e produzem para 50% das necessidades que surgiram com esta pandemia”, garante Rui Maciel. O Presidente do Conselho de Administração da Sinaga sublinha que “a estrutura [da empresa] estava preparada para um nível de procura infinitamente mais baixo mas adaptamo-nos rapidamente e temos também um conjunto de parceiros a nível nacional que nos têm permitido um fornecimento contínuo e sem rupturas de stock”.
Da Lagoa sai matéria prima para as 9 ilhas dos Açores. “Todo e qualquer álcool que consigamos comprar é para uso exclusivo da Região. Temos inúmeros contactos do continente só que, por uma razão lógica, nesta altura estamos a garantir o fornecimento no mercado açoriano priorizando todas as unidades de saúde, hospitais, farmácias e entidades públicas”, garante Rui Maciel, que lidera uma indústria que está a “a full power” já que “para tirar algum proveito da nossa linha de produção temos de trabalhar mais horas por dia”, garante. Ainda assim, e apesar do trabalho ser bem maior nos últimos tempos, José Borges considera que aquilo que se verifica hoje é bem menor do que um dia já foi: “fazíamos praticamente dois contentores por semana para o continente e agora, segundo o que apanho aqui, estamos a fazer uma média de 500 a 600 caixas, não é tanto como antigamente”, garante. Sobre esta nova fase, reconhece que “é bom, dá movimento, emprega mais uma pessoa ou outra porque estamos atravessando uma fase de grande consumo a nível de álcool”.
O aumento da procura poderá levar ao aumento dos preços. A especulação foi noticiada em algumas lojas da região, mas o Presidente do Conselho de Administração da Sinaga garante que é preciso distinguir que existem dois tipos de álcool com preços distintos: “o puro é muito mais caro, onde 1 litro ronda os 20 euros, e mais de metade do valor é de imposto. O álcool sanitário já não tem essa componente, portanto estamos a falar de 0,75 euros mais IVA por cada garrafa de 250ml”, explica. O álcool alimentar é utilizado para a produção de bebidas alcoólicas e o sanitário é o recomendado para a desinfecção, sendo este último o recomendado pelas autoridades de saúde para travar a propagação do novo coronavírus. Rui Maciel garante que a empresa que dirige, detida a 100% pelo Governo regional, “tem prosseguido uma política de manutenção dos preços que são atualizados somente quando os nossos fornecedores atualizam”.
O responsável diz que não foi “apanhado desprevenido porque já tínhamos garantido com os nossos parceiros o fornecimento de algumas cisternas mesmo antes da Covid-19 ter aparecido em força. Temos ajudado, dentro do possível, outros pequenos operadores porque mais importante do que o plano concorrencial é haver produto disponível no mercado açoriano”, assegura.
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